quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Promessas, Promessas

Não sou de promessas, sou de compromissos. Já que as promessas esquecem-se e os compromissos assumem-se.

Se já sou assim para comigo, com quem até podia ser mais condescendente (porque só a mim devo satisfações sobre o que assumo ou não fazer) para com os outros faço questão de não falhar (quer por brio, quer, acima de tudo, por respeito e consideração pela pessoa e pelo seu tempo, que assumo tão ou mais precioso do que o meu).

Por isso, não aprecio e fico piursa com quem se presta a mascarar de compromissos algo que garantidamente não é mais do que uma promessa para esquecer, apenas e só porque lhe convém ficar bem na fotografia e descansado da vida.

Prefiro mil vezes mais aqueles que assumem de antemão um não, do que quem teima em se enredar no labirinto das promessas. Do "claro que sim, em princípio, talvez dê", "sim, sim, só que ainda temos tempo para decidir isso", "pode ser, mas amanhã, ok!". E porquê? Porque raramente o amanhã vem e nunca nada acontece, a não ser total descaso e desrespeito pelo outro e incompreensão pela insatisfação manifestada por quem se vê sempre relegado para segundo plano ou esquecido.

Como os meus fazer, dizer e ir são compromissos tomados para comigo ou para com terceiros, tenho vindo a afastar-me de quem usa os seus como promessas apenas para retardar reacções que os possam deixar em situações incómodas.

Assim, cada vez mais vou dedicando o meu tempo e atenção a quem tem igual consideração para comigo, não me tomando como um dado adquirido, sempre à ordens das suas vontade e conveniência.

Recomeços

 
Ainda nem faz uma semana, estava a escrever sobre a agitação que há vários meses me atormentava, consumindo a minha energia e apagando a minha concentração e o meu interesse para tudo e para todos à minha volta.
 
Sabia perfeitamente o que me deixava assim e o que fazer para a resolver. Mas, por casmurrice, acabei por interiorizar que a resolução estava fora do meu alcance e passei para as mãos de terceiros esta responsabilidade. Até porque estavam igualmente envolvidos na situação. O problema é que para eles a resolução entrou num constante adiar.
 
Até que, cansada de ter a minha vida parada por estar presa entre as mãos de quem seguia a dele livre, fresco e fofo, deixei de ser obtusa (que é o mesmo que admitir que pus a casmurrice, o orgulho e o receio de lado) e resolvi voltar ao comando.
 
O que fiz? Simples. Agi. E aquilo que durante meses achei estar fora do meu alcance, foi conseguido em pouco mais de 5 minutos.
 
Três dedos de conversa foram suficientes para esclarecer alguns equívocos, confirmar algumas descobertas, pôr um ponto final a esta angústia prolongada e, o mais importante de tudo, ter novamente nas minhas mãos o rumo da minha vida.
 
Agora, novamente livre, posso voltar a sorrir com gosto e usufruir da tranquilidade de espírito há muito desejada.
 
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Olá Outono!*

Final de tarde do 1º dia de Outono
Ao chegar ao fim do Verão, poderia dizer que vai deixar saudades, porque foi divertido e ao mesmo tempo produtivo.
 
De facto, vindo-me à memória o Verão do ano anterior, este nem chegou a aquecer.
 
Pouco dado ao convívio, sem dias de praia intermináveis nem finais de tarde em esplanadas a libertar o corpo do calor pegajoso, este Verão praticamente resumiu-se a ver o diminuir diário das horas em que o sol, preguiçosamente, voltava a encontrar-se com o horizonte, dando lugar à noite, e a recuperar das maleitas que resolveram tomar conta do meu corpo.
 
Fosse eu de baixar os braços, este Verão dos meus 35 anos, sairia catalogado como o do início da minha decadência, como muito boa gente (meio a sério, meio a brincar) me foi dizendo.
 
Felizmente, a seguir ao Verão vem sempre o Outono. Assim, permito-me recebê-lo de cabeça erguida e de braços abertos. Pode ser que o vento que trouxe no dia da sua chegada seja de boas mudanças.
 


*Pensamento de  22 de Setembro, enquanto apreciava um cigarro e a vista
que me emoldura as pausas dos fins-de-semana de trabalho.
 
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Ouvi Por Aí



Na paragem de autocarro, conversa entusiástica entre três homens 'machos', na casa dos 20.
 
'Macho' 1 - Uma coisa é ele contar que é gay. Agora isso?!?
 
'Macho' 2 - Ya. Outra completamente diferente é contar detalhes da sua vida sexual.
 
'Macho' 3 - Isso é privado, meus. Não se partilha.
 
'Macho' 1 - Pois não, pois não.
 
'Macho' 3 - Agora esquece lá isso e conta. Como é que foi a noite? Conseguiste comer a X?
 
 
E assim se descobre a linha que separa o domínio privado numa conversa entre os 'machos' e entre os 'outros'.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Do Teu Beijo*


 O teu beijo tem gosto a quero mais. É guloso. Num misto entre quente-e-frio e agridoce, ateia os meus sentidos, apimentando sensações, e arrefece a minha razão, adocicando emoções.

 O teu beijo é o alimento para o meu desejo. Sacia-o, independentemente das instruções da sua embalagem indicarem que deve ser consumido na regrada delicadeza emocional do equilíbrio da ternura dos afectos ou na transgressora voracidade sensorial dos excessos da luxúria das vontades.

 O teu beijo é um vício. O meu vício. Permito-me permanecer agarrada a ele, e por conseguinte a ti, porque sei que tu também te dás a este luxo.

O teu beijo é o melhor calmante e o melhor estimulante que a rotina de cada dia me traz. Confirma a minha máxima de que a partilha desinteressada torna um gesto simples em algo bom, muito bom, óptimo, excelente.



Eu disse que voltava.
*Mais uma continuação, perdida, deste e deste

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Olh'á Magra!

Será considerado violência gratuita eu passar para a ignorância e partir a boca toda a colega que não se cansa de dar opiniões (não solicitadas) sobre o que devo ou não devo fazer para engordar? Principalmente, quando as opiniões são dadas sem conhecimento de causa e ad nauseam?

Há um mês que estou em luta com a balança para conseguir ganhar, no mínimo, 3 dos 6 quilos que perdi, em menos de duas semanas, devido a efeitos secundários indesejados de um antibiótico que, entre outras coisas, me alterou o paladar, tirou o apetite e, claro está, me deixou cadavérica.

E também, há um mês que ouço, diariamente, a mesma ladainha: "Fogo! Estás tão magra que faz aflição." "Pode ser que despida até corpo esteja bonito, mas... estás tão magra." "Que é feito do rabo e daquelas pernas que enchiam as medidas e davam gosto ver? Estás tão magra." "Estás tão magra! Ela está tão magra, não está?".

Cansaço! É o que me apraz dizer para não ser mais ofensiva. Mesmo que a pessoa em causa não mereça tamanha consideração. Enfim!

Sim, eu tenho espelhos em casa que me mostram que estou praticamente pele e osso e, por estranho que pareça, também tenho balança que me indica que eu estou demasiado perto dos 50 quilos, quando o que devia era estar o mais encostada possível aos 60.

Para além disso, sinto no meu corpo as mazelas da minha magreza. Já que uma simples costura ou prega de tecido me faz nódoas negras ou arranhões lindos como o sol (só é pena não o poder olhar de frente), um botão ou uma qualquer aplicação que a roupa possa ter tem o condão de vincar-se, dolorosamente, entre as minhas costelas, o cabelo cai-me como se não houvesse amanhã de tão fraco que está (por opção, até já reduzi o seu comprimento para metade) e a pele está mais do que sensível a qualquer contacto mais áspero.

A esta lista de maleitas poderia acrescentar muitas mais, nomeadamente a original, mas não me apetece. Primeiro, porque não devo satisfações sobre a minha aparência e saúde a ninguém. Segundo, porque não tem nada a ver comigo andar aos caídos a lamentar-me. Terceiro, porque estar a acrescentar pontos a esta lista não melhora nem resolve nada, assim como não me traz os quilos de que preciso.

Dito isto, vou aproveitar o meu tempo e as minhas energias a fazer algo bem mais interessante. A ver de consigo ganhar um mísero meio quilo para juntar ao outro meio que consegui ganhar em Agosto.


 Pode ser que me abra o apetite e acabe por passar por cá amanhã para escrever algo com menos fel.

Ah! Já agora, julgo não ser pedir muito deixarem de me cumprimentar com um "Bolas!!! Estás tão magra!". Um "Olá, tudo bem?" é uma alternativa bem mais simpática, interessante e educada.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Julho

Estamos na época do ano que eu tanto gosto. A pré silly season. A qual, com os seus dias longos, convida a descontraídos sunsets que podem começar, e até mesmo terminar, muito antes, durante ou mesmo depois do sol se pôr. Assim como, traduzir-se:


- numa ida à praia, para tórridos banhos de sol entre a sombra do el sombrero e a refrescante beira mar;

- numa escapadela prolongada a uma esplanada em frente ao rio ou sobre uma das colinas da cidade, para apreciar as vistas;

- num passeio sem hora marcada por um caminho que pode não estar definido, para gastar energias;

- num preguiçoso deixar-me estar em casa, envolta na calorosa claridade que a invade, a fazer rigorosamente nada, para reequilibrar o espírito;

- num singelo piquenicar de final de tarde ou num robusto petiscar all night long, saboreando uns tradicionais tremoços, enchidos e pica-pau, uns afamados caracóis e caracoletas ou uns excêntricos camarões ao alho e ameijoas à bulhão pato, para alimentar o físico.


Sendo que, por estes dias, nunca pode faltar a boa companhia. Daqueles grandes amigos que nunca esqueço, daquela música que me faz vibrar, daquele livro que não consigo largar ou daquele silêncio introspectivo com o qual gosto de estar quando o encontro é apenas comigo. Tal como aconteceu há dias quando este texto foi escrito.

Bem vindo mês de Julho!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Da Ausencia

Tenho saudades deste espaço e de todos aqueles que tenho o costume de passar e que nos últimos 2 meses deixei completamente ao abandono.

A vontade de escrever existe e vou-o fazendo. Tornar público o que daí resulta é que nem por isso. Excesso de trabalho e poucas horas de sono que levam a um acumular de cansaço físico e mental.

Pode ser que após regressar de um pequeno período de férias - que vai englobar esquecer por completo as complicações do trabalho, fazer absolutamente nada, muita praia, pura descontracção e diversão entre amigos (os quais também têm sido deixados ao abandono) - a minha cabeça volte a estar fresca e fofa e retome este velho hábito de escrever algumas linhas, com pouco ou nenhum interesse, mas que me dão um gozo imenso por me permitirem dar uso à imaginação e sair fora dos assuntos mundanos que são os temas diários de conversa sobre trabalho.


De momento, já penso que o Verão me aguarda ou eu é que vou ansiando por ele. Adoro a tranquilidade que acompanha os dias interminavelmente longos que o antecedem e finais de tarde assim.


A ver vamos que frutos dará este segundo semestre de 2012 no que à blogosfera e tempo para mim mesma, fora trabalho, diz respeito. Hoje, foi só uma passagem fugaz para ver se os dedos ainda se sentem à vontade quando teclam por aqui. Definitivamente, sentem-se embora que meio enferrujados.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ainda Da Primavera



‘Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais ridículo do que eu?’*


Sim, sim, este pode ser o começo ou o fim de mais uma história que apanhei no meu local de trabalho.

Agora, pouco mais de 15 dias de ter começado a dita Primavera (em que o sol anda tímido e o céu mais para o cinzento), os colegas do ‘pito aos saltos’ andam mais calmos. Bom, isso foi o que eu pensei durante esta última semana. Mas ontem, quando olhei à minha volta, reparei que a maior parte deles simplesmente não tem vindo (as benditas férias da Páscoa, que obrigam alguns papás e mamãs a tirar férias para cuidarem dos filhos).

E só ontem dei pela falta deles porque?

1 - Trabalhei no fim-da-semana (coisa que eles felizmente não fazem), portanto, folguei durante a semana.

2 - Ontem estive a trabalhar na área deles e vi o papel de protagonista entre as meninas do ‘comercial’ a ser desempenhado pelo colega que costuma estar sisudo no seu canto a trabalhar (só tem ataques de doideira nas pausas do almoço e do fumar e quando não tem ninguém com quem falar sobre o mercado de valores mobiliários).

Então, antes que perca o interesse no que vou escrever ou me comece a falhar a memória, que é algo que anda a acontecer muito nestes últimos tempos devido ao cansaço (férias, preciso de férias! - É o que diz o Eco, ao Tico e ao Teco que andam adormecidos no meu cérebro) cá vai a história.

Conseguem imaginar-se em frente ao espelho a simular/treinar
 um beijo de língua? Sim? Não?*


Se sim, salta-vos à imagem o ridículo que é esta figura, certo?

Se não, imaginem alguém a fazer caretas a um bebé para ele parar de chorar, quando o que lhe apetecia mesmo (e desculpem lá a expressão) era atirá-lo ao ar, contra o chão ou parede tal o desespero em que se encontra.

Agora, horror dos horrores, substituam o espelho como espectador reflexo desta acção pela vossa equipa de trabalho, chefes incluídos. Conseguiram?*

Eu, como espectadora acidental deste número de entretenimento, tive que virar a cara, porque senti-me envergonhada ao ver o meu colega a inclinar a cabeça de um lado para o outro, a rodar a língua e a sugar os seus lábios, enquanto dizia para todos ouvirem que estava nos linguados.


Finalmente, quando conseguiu a atenção da Menina do ‘comercial’ que anda a rondar ao estilo paraquedista, ainda tive que ouvir isto que se segue (é nestas alturas em que fico a pensar porque é que os meus pais me fizeram com a capacidade de estar a ouvir e seguir mais do que uma ou duas  conversas em simultâneo e mesmo com alguma distância física entre o local onde estou):

**Menina do ‘comercial’ (com sotaque alentejano) - Que raio de beijo é este pá?!?!? Até mete medo.

**Colega sisudo - Eh, pá! Há tanto tempo que não beijo… Acho que até já não comé que se faz isso.

Menina do ‘comercial’ (com sotaque alentejano) - Isso nã se esquece.

Colega sisudo - Ai não? Tenho as minhas dúvidas. Posso treinar contigo? Assim até dá pra treinar também uns amassos. Deixas?

Menina do ‘comercial’ (com sotaque alentejano) - Os meus lábios e o meu corpo nã são campo de treino.

Colega sisudo - Vá lá, não custa nada são só uns beijos e uns amassos.

Chegada a esta fase da conversa eis que surgem outros personagens.

**Menina do ‘comercial’ (que acha que vem do gueto) - Meu, qué isso pá! Porra que o miúdo está em brasa. Já pensaste ir apanhar ar a ver se arrefeces a turbina?

**Colega da ‘boca porca’ (com sotaque de Viseu) - Alentejana, acalma lá o rapaz. Vai-te a ele ou deixa-o vir-se a ti.

Menina do ‘comercial’ (com sotaque alentejano) -

**Colega ‘cantador caga tacos’ - Vá lá Alentejana, dá-te a ele que já ninguém o aguenta por aqui neste estado.

Colega sisudo - Olha, eu vou à casa-de-banho se quiseres vai lá ter. Sempre temos mais privacidade.

Menina do ‘comercial’ (com sotaque alentejano) - Ahmmm!!!

Menina do ‘comercial’ (que acha que vem do gueto) - Meu, tu tás bem. Deste conta do que acabaste de dizer?

Colega sisudo - Só fiz um convite, há mal nisso? Se a Alentejana não quiser faço-o a ti. Assim está melhor?

Menina do ‘comercial’ (que acha que vem do gueto) - Fonix!! Alentejana trata dele.

Colega da ‘boca porca’ (com sotaque de Viseu), Colega ‘cantador caga tacos’, Menina do ‘comercial’ (que acha que vem do gueto) - Trata, trata, trata…

Menina do ‘comercial’ (com sotaque alentejano) - E  se fossem todos à merda!!!

Colega sisudo - Vocês as duas são sempre umas desmancha prazeres.



*Só perguntas difíceis, eu sei?
**São os nomes carinhosos que dou aos colegas.
E hoje ainda tenho mais um dia de trabalho, a ver se passa rápido.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Da Primavera


Ainda estão a fazer dois dias que ela começou, mas lá no meu trabalho parece que já dura aos meses.

Anda tudo com o 'pito aos saltos', principalmente, desde que entrou uma equipa 'comercial', composta essencialmente por meninas* que ainda estão a chegar aos 25 anos anos e adoram a atenção, os miminhos e os abracinhos que vão trocando entre elas e também com os colegas masculinos** (apesar de uns quantos terem idade para ser pai delas, serem casados e terem filhos na mesma faixa etária).

Os temas das conversas são sempre os mesmos, 'comida, comida, comida', 'noitadas, noitadas, noitadas', 'trocas de experiências, trocas de experiências, trocas de experiências', 'gostos, gostos, gostos', 'fim do mundo, fim do mundo, fim do mundo' e 'troika, troika, troika'. Sendo que qualquer das conversas, em menos de 2 minutos, acaba por cair no 'sexo, sexo, sexo'.

Ontem, por exemplo, quando cheguei estavam a divagar sobre a importância da naturopatia e... no papel que tinha na prática do cunnilingus. Todos se riam ao estilo dos putos de 12/16 anos, quando na aula de Ciências Naturais se fala em contracepção e sistemas reprodutores (os vulgares pénis e vagina).

Eu, que adoro a chegada da Primavera, porque os dias começam a tornar-se bem mais longos do que as noites e a luz torna-se bem mais intensa (o que nos dá para sunsets maravilhosos e para começar a largar os casacos, os casaquinhos e muito mais os casacões), este ano, dei-me conta que ando a rogar ao esquizofrénico do São Pedro que nos dê no mínimo uma semana e meia invernosa e chuvosa para ver se lá no burgo se acalmam.

Ao fim de duas horas de trabalho, quando tenho o azar de ficar no fogo cruzado destas conversas (por lá não há lugares marcados), já estou a dar em louca por não conseguir ouvir os meus próprios pensamentos, por não conseguir trabalhar descansada (gerindo apenas a ansiedade dos clientes stressados) e por sentir que cada vez mais a idiotice é contagiosa. Até quando vou conseguir resistir às tentações diabólicas do meu universo laboral, escapando a este estilo de discurso? É a pergunta que tenho vindo a fazer-me quase todos os dias quando chego ao trabalho.

Para que conste não sou a única a 'queixar-se' desta forma de estar no trabalho, que é alimentada quer por palavras apregoadas, quer por troca de e-mails que chegam a todos.

No mesmo espaço trabalham 4 equipas com funções e graus de responsabilidade distintas. A que mais se queixa é aquela que mais pessoal e mais trabalho tem (da qual faço parte). Contudo, quando nos dirigimos aos supervisores e coordenadores a quem prestamos contas, que são 5 (seriam 6, mas um faz parte do grupo que alimenta constantemente estas idiotices), dizendo que não há condições para trabalhar, a resposta que temos (independentemente de estarmos a falar com o Zé, o Xico, o Manel, a Beta ou a Pat) é que já estão fartos de vestir o fato do mau da fita e serem só eles a chamar a atenção para o barulho, tema de conversa e troca de e-mails. Quando confrontados com um "Mas isto é o que todos os outros dizem e continua tudo na mesma", dizem "O que querem que faça?". Simples, que deixem de estar na tagarelice uns com os outros e juntem as outras equipas e lhes digam como é que se deve estar num local de trabalho partilhado por mais de duas pessoas. Se não conseguirem fazer isso, há voluntários na nossa equipa para o fazer, usando métodos que podem ir desde conversa entre adultos, desenhos para 'crianças' e porrada para 'mal formados'.



*Para não dizerem que é maldade feminina, aqui fica a imagem do único menino que faz parte dessa mesma equipa.
Para além do seu pouco mais de metro e meio e voz efeminada, tem graves problemas de higiene pessoal: 
anda sempre com os dedos nas cavidades nasais, deixando rasto pelas secretárias por onde passa; 
tem uma barba à Jesus Cristo SuperStar muito mal amanhada, com a qual está sempre a brincar
e tem o cabelo empastado,  porque o tem quase pelos ombros e o usa lambido com um 
produto estranho que lhe dá um toque sujo (e sim, as pontas enrolam-se para fora).

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**Entre a minha equipa já anda a correr, isso sim, uma maledicência sobre alguns destes colegas:
Quando no 'esfrega-esfrega' com as respectivas, para conseguirem manter-se firmes e hirtos 
como uma barra de ferro, pensam nas meninas do 'comercial'. Só pode.


sexta-feira, 16 de março de 2012

Decifras-me?


Decifro.
O teu olhar, as tuas mãos, o teu corpo.

O olhar? Certeza contida.
As mãos? Promessas infindáveis.
O corpo? Silhueta atrevida.

Indecifrável? Apenas, não conseguir perceber o que mais me prende a ti.

Que pode ser? 
A silhueta atrevida que o teu corpo desenha.
As infindáveis carícias que as tuas mãos me prometem.
A certeza contida do teu olhar que me garante que, querendo, superas todas as minhas fantasias.*




*As que invadem o meu pensamento e as que aquecem o meu corpo. Quando te recordo,
 quando te espero, quando te pressinto, quando te vejo, quando te sinto e quando te tenho em mim.


quinta-feira, 15 de março de 2012

Devaneios da Revolta


Tenho um amigo que de momento está a passar por uma situação familiar difícil. Sendo que, a título de desabafo, escreveu sobre a revolta que está a sentir por nada poder fazer para alterar o decurso natural da vida. O qual acha injusto.

Devido aos anos de convívio que já temos e sabendo que ele nunca soube lidar com a finitude do ser humano, nem mesmo com o processo de envelhecimento que tal impõe, não me surpreendeu que usa-se da palavra escrita para expressar o que lhe vai na alma.

O que me deixou realmente surpresa foi a forma escolhida para libertar toda a dor que o atormenta. Virou-se contra um deus, no qual diz ter deixado de acreditar aos 6 anos (quando pela primeira vez viu-se confrontado com a angústia da perda de um ente querido), e virou-se contra a crença nunca perdida  neste mesmo deus por parte de quem agora está prestes a partir, mesmo quando enfrenta um grande sofrimento.

No final da leitura do que ele escreveu, o que me ficou a matutar na cabeça é que todo este seu desabafo nada tem a ver com a sua descrença nesse deus, mas sim com a sua revolta perante a vida. Já que, a meu ver, quem não acredita num deus, não lhe atira com as culpas pelos desconfortos que a vida nos dá.

Apenas e só vi alguém que, desde os 6 anos, não conseguiu fazer as pazes com a vida, nem aceitá-la como ela é. Simplesmente, manteve a sua postura birrenta de criança que ouviu um 'não' que detestou e assim se mantém. Virou-lhe as costas e nunca mais quis saber desta sua característica finita.

Dizer um adeus definitivo dói, mas tal não deve acarretar não o fazer. Podemos não compreender ou querer aceitar, mas devemos dar espaço para este adeus passar e deixar a sua marca em nós. Para que, quando a dor causada for apaziguada, haja espaço para mantermos na memória a oportunidade que tivemos para ser felizes quando partilhámos, por momentos, a vida.

Fechar-lhe a porta, fingindo a sua não existência, não é solução.


segunda-feira, 12 de março de 2012

Resposta a Dúvidas Existenciais

Há pouco, por mera curiosidade, estive a ver as estatísticas semanais das visitas aqui ao Blog.

Quando cheguei à parte das palavras-chave usadas nas pesquisas deparei-me com isso:

“que fazer numa viagem de autocarro”.


Assim, perante esta dúvida existencial de grande importância vou deixar algumas das coisas que eu faço e julgo poderem ser feitas por qualquer um que ande de autocarro.

Por norma, tendo em conta que no último ano tenho andado quase sempre na mesma carreira, fora das horas de ponta e, principalmente, à noite, depois de entrar e validar o passe (algo que quase mais ninguém faz a essa hora), começo por:
1- tentar escolher o lugar ideal para me sentar, sem incomodar ninguém nem ser incomodada. 
2- enquanto vou a fazer este pequeno percurso estou quase sempre a rezar para  não ser projectada até ao local escolhido (ao invés de ir pelos meus próprios passos). Sim, os motoristas da noite são aceleras de primeira.

Quando devidamente sentada, no caso de ter sido projectada até lá, faço por procurar por:
3- vermelhões,
4- nódoas negras,
5- arranhões e
6- ferimentos graves.

Não encontrando nada disso, dedico-me a fazer o mesmo que faço quando chego ao meu lugar pelos meus próprios passos:

7-  ligo o som do meu MP3 (quando a cabeça não pede silêncio),
8- pego no livro que quase sempre viaja na minha mala (se a preguiça não me levar à inércia e falta de concentração para leituras),
9- de quando em vez passo uma vista de olhos pelo telemóvel a ver se alguém quis saber de mim, quer via SMS, chamada, Emails ou Livro das Fuças (isso se os solavancos do autocarro me deixarem desenhar o padrão de desbloqueio do telemóvel sem errar e bloqueá-lo por excesso de tentativas mal sucedidas) ou
10- simplesmente, fico a olhar para o vidro a ver o caminho de regresso a casa, que me vai dando a perceber que se transforma em mais um dia que passou (à velocidade que o autocarro anda, quase sempre só me apercebo das sombras e dos clarões amarelos que iluminam a cidade noite fora).

Para 15 a 20 minutos de viagem, a meu ver, é actividade mais do que suficiente para ocupar o tempo.


Mas de quando em vez (quase sempre aos fins de semana, feriados e noites de futebol) as opções possíveis são péssimas, como:
11-  ter que ouvir conversas entre terceiros e músicas alheias já que anda por aí uma geração que não sabe o que são uns headphones (quase sempre a conversa é da treta, dado o adiantado da hora e dos temas abordados e a música é péssima quer pela qualidade do som, quer pelo estilo),
12- levar com putos aos berros já meio grogues com o vinho que vão bebendo do pacote ou transformado em sangria em garrafas de litro e meio de água, para além, da garrafa de litro da cerveja partilhada por 10 ou 20 (nestes momentos sinto-me numa taberna à moda antiga, com bancadas pegajosas do vinho, do bagaço e da cerveja que entranharam ao longo dos anos),
13- ver miúdas praticamente despidas e maquilhadas como se fossem para o ataque, mesmo com temperaturas abaixo dos 10 graus (depois acabo por descobrir que vão só ter com uns amigos que conheceram na noite e que todo este excesso se deve ao facto de terem estado horas a vestir-se para aparecerem despidas).

Nestes dias a viagem parece demorar o dobro do tempo, com tanto entra e  sai.


Mas como nem tudo pode ser negro neste de quando em vez, também há as boas opções:

14- conseguir fazer a viagem do princípio ao fim, como único passageiro (as noites de 2º feira de frio e de chuva são propícias a isso),
15- encontrar o motorista jeitoso com o qual até dá para ter uma conversa descontraída e despretensiosa, que sabe as horas a que saio, ao ponto de conseguir atrasar-se, por ter o ‘azar’ de apanhar os sinais todos vermelhos, e chegar à minha paragem já comigo lá (mesmo não sabendo o nome um do outro conseguimos manter-nos num tu cá tu lá, que estando inspirados até pode cair num inocente jogo de flirt ou ficar por adivinhar a figura que vai entrar a seguir conforme o dia da semana e a hora).

Aqui a viagem parece que acaba logo que começa, já que parece feita numa velocidade supersónica, em que não damos pelo tempo passar.


Esta semana de trabalho, tirando hoje que foi dia de seca por não ter conseguido sair a horas, teve quase de tudo um pouco. Apenas faltou ser o único passageiro, a música alheia e os putos da vinhaça (sendo que os dois últimos por razões óbvias não me fizeram nenhuma falta).

Espero que alguma das opções por aqui deixadas sirva para o próximo que vier cá parar com a mesma grande dúvida existencial.

domingo, 11 de março de 2012

Big Confession

Ando a reescrever duas histórias ficcionais, escritas em épocas diferentes e por motivos diferentes. Uma delas, que julgo ser a mais antiga, era a introdução de algo já aqui publicado e reeditado, fala do despertar de interesses e da conveniência ou não de lhes dar continuidade. A outra história fala de reencontros e das possibilidades de aproximação que tal acarreta quando os timings dos intervenientes começam a coincidir e a fazer ressurgir o interesse e, quem sabe, algo mais. Resumindo, falam ambas de relacionamentos.

A primeira nunca foi publicada na integra graças à sua dimensão: gigantesca. Assim, como achei que não se adequava a este meio e porque, por mais voltas que já lhe tenha dado, nunca consegui encontrar uma forma de a publicar em partes sem perder o interesse (ou tornar-se terrivelmente entediante) não tem saído dos rascunhos.

A segunda, como ficou em bruto, ou seja, com muitas paragens identificadas entre parênteses com algo mais a desenvolver nessa ou naquela parte, nem passou das folhas de rascunho escritas à mão. Até porque, confesso, esteve perdida entre outros papeis que nada têm a ver com o que eu guardo na gaveta da escrita.

No entanto, como ao encontra-las e relê-las de seguida fez-me aperceber que se complementam, estou agora a desafiar-me a transformá-las numa única história e, talvez, quem sabe, tornar o que daí resultar  em algo publicável neste espaço.

A ver vamos o que tudo isso vai (ou não) dar.


sexta-feira, 9 de março de 2012

Piursa, Piursa, Piursa!!!!

Há pior do que chegar ao trabalho, abrir o email, receber uma alteração de horário de última hora (que dá cabo dos planos para o fim-de-semana do final do mês), ver-me, durante oito horas, forçar um sorriso (hoje, inteiramente falso) já que que andei todo o dia assim?

Piursa, fula, P da vida e a espumar por todos os poros


Há, claro que há!

Tudo isso acontecer depois de uma folga muito bem passada (entre massagem ayurvedica, sessão de reflexologia, reencontro com amiga que não via há pelo menos dois anos e que levou a algumas horas de conversa, andar a contra-relógio para chegar a Alvalade antes do jogo acabar - pelo menos consegui apanhar o último minuto da primeira parte e a segunda parte completa - e um jantar de petiscos em boa companhia) que me deixou revigorada e pronta para enfrentar os próximos 4 dias de trabalho.

Uma vez mais digo, estou Piursa, Piursa, Piursa!!!!



quarta-feira, 7 de março de 2012

Celebrating II

E já lá vão cinco anos que ando perdida aqui pela blogosfera.

Muito por aqui disse, com mais ou com menos inspiração, mas muito mais ficou por dizer. Muitas vezes por falta de tempo, outras tantas por falta de vontade e outras ainda, apenas e só, porque sim.

Nem sempre senti, nem sinto, necessidade de por aqui passar para dizer algo, mesmo que sem sentido.

Como quase tudo na vida a actividade neste espaço vai seguindo a minha vontade* e, pelo gozo que retiro quando aqui escrevo, apenas o vejo como uma boa parte de mim. Boa parte, não pela quantidade e qualidade do que aqui escrevo, mas sim pela forma como o sinto e pelo que ele me tem dado.

Sinto que ao longo destes anos tenho deixado aqui sempre um pouco de mim, o que me permite, entre outras coisas, ver-me ou rever-me com uma maior objectividade (fruto da distância temporal que vai arrefecendo a importância subjectiva de alguns desabafos) e reviver momentos que já lá vão e que pareciam apagados da memória.

Assim, sempre que penso que talvez não faça sentido manter activo este espaço tão inactivo (que é algo que aconteceu mais vezes do que as que me vou recordando enquanto aqui estou a escrever) relembro-me do que ele me faz sentir e o que de melhor ele me tem dado: a oportunidade de conhecer pessoas que de outra forma seria pouco provável vir a conhecer.

Com muitas delas o conhecer passou da esfera virtual para a real (que é a forma que mais aprecio de conviver, conversar, rir, debater, disparatar, etc. e tal). Destas, algumas conquistaram um papel importante na minha vida, já que fomos criando laços que levaram a amizades que ainda se mantêm (e muitas já se afastaram desta vida virtual). Outras tantas tiveram uma passagem fugaz, que se resume a partilhas de uns bons momentos. Outras ainda houve em que tudo não passou de um jogo de toca-e-foge, não houve clique algum que levasse a manter uma relação fora do campo virtual.

Em todas estas formas de conhecer que este espaço me tem proporcionado nunca tive uma desilusão, visto que nunca criei uma imagem rígida com características físicas de quem dava vida aos blogues. No máximo criei um esboço relativamente a padrões comportamentais e de pensamento, o que é menos ilusório e pode ser facilmente retocado por ser maleável.

Isso porque o que está por trás desta vontade de me dar a conhecer e de querer conhecer a pessoa que está por trás do Nick é a escrita, quer pelas afinidades ou pelas divergências, quer por a achar fascinantemente ficcional ou real. Não faço criação de expectativas, apenas e só quero poder ter uma leitura mais pessoal do que escrevem, já que após este passo já me é possível acrescentar uma voz e uma expressão, não totalmente imaginada, ao que leio, levando-me a uma interacção com o outro mais aprazível. Portanto, o que acabei por ter desta vontade concretizada são as mais-valias que acabamos por receber ao termos abertura de espírito para sairmos da nossa caixa e entramos na dos outros.

Apesar de, actualmente, este entusiasmo do conhecimento real estar apagado (nos últimos 2 anos dei-me a conhecer a 4 pessoas, sendo que duas se enquadraram no jogo do toca-e-foge e as outras duas podem estar a caminhar para a criação de laços mais fortes), a vontade que o alimenta ainda se mantém. Assim, a disponibilidade de continuar a querer conhecer e dar-me a conhecer a quem por aqui possa passar é uma porta entreaberta à qual basta tocar para poder vir-se a tornar uma porta aberta.

Tudo isso para dizer que ainda não é desta que a luz por aqui se apaga, porque a qualquer momento pode dar-me vontade de escrever.


*A titulo de exemplo tenho este mesmo texto que começou 
a ser escrito no ano passado, sofreu uma interrupção qualquer,
sendo que só agora o dei como terminado e ao que parece publicado.

domingo, 4 de março de 2012

Reflexos de Luz (reeditado)*

Olho ao espelho e procuro cada ser que os outros dizem que sou. Procuro a Mariza do trabalho, a Mariza da formação, a Mariza do Vicente e da Fernanda, a Mariza amiga de fulano e de sicrano.

Procuro cada um destes seres que eu sou. Cada um destes seres que tem uma personalidade distinta de acordo com a imagem que cada um tem de mim. Procuro as diferenças físicas, mas não encontro. Procuro as diferenças psicológicas, mas não as acho.

Confundo cada um destes seres todos os dias. Não consigo ser fiel a apenas um deles, o que confunde as pessoas.

Sempre que altero as atitudes e elas não se encaixam na imagem da Mariza que beltrano tem de mim já não sou a 'tal Mariza'. Sou outra pessoa, que beltrano não conhece ou não quer conhecer, pois não quer alterar a imagem perfeita da Mariza que para ele sou.

Nada posso fazer. Não consigo controlar a pessoa que sou hoje nem prever a que serei amanhã. Dependo de tudo o que experiencio e vivo a cada fracção de segundo.

Cada instante da vida faz nascer uma nova Mariza, assim como cada nova amizade, cada nova atitude, cada novo comportamento, cada novo pensamento e cada novo sentimento. Medo? Não sinto. Só uma grande felicidade por poder ser tantas pessoas assim. Só tenho uma oportunidade, uma vida, para ser a Mariza.

Dupla personalidade? Não, não sofro. Sou uma pessoa diferente a cada novo desafio, mas ao espelho vejo sempre a mesma Mariza. A Mariza que sou neste momento e que, em pouco ou nada, se distingue dos anteriores reflexos que vi.


*Ou a imagem que os outros guardam de nós e que se reflecte na forma como vêem os nossos actos. 
Resta saber se devemos moldar-nos a estas imagens para não ferir susceptibilidades ou manter-nos fiéis a nós mesmos. 
Pessoalmente, eu prefiro a segunda opção, já que não tenho jeito para artista. Não finjo sentir o que não sinto, portanto, também não consigo ser o que não sou.
Mesmo após os 15 anos, que medeiam esta reedição e o dia em que estas palavras foram escritas pela primeira vez, continua a vê-las e senti-las como o melhor auto-retrato escrito que consegui fazer de mim.



quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Outros Tempos, Outras Danças: A Menina Dança? (Reeditado)*


-Isso é um desafio, Fred Aster?

- Não. É uma promessa.

- Para não cumprir, queres ver?

-Bem, acho que chega de palavras. Vamos à acção.

- Tudo bem.

-A menina dança? - lanças o convite, enquanto me estendes o braço e me encaminhas para a pista.

- Uhm?!?!? Sabes dançar?

-Eu prometi fazer-te brilhar.

- Mas sabes danç...

-Xiuuuuu... - sussurras, aproximando o indicador dos lábios para enfatizar que o momento é para dançar.

Remeto-me ao silêncio.

Os nossos corpos enquadram-se, os nossos braços emolduram-se. O meu entre o teu omoplata e pescoço, o teu um pouco acima da minha cintura.

A medo, as nossas cabeças aproximam-se, acabando por encontrar a posição perfeita. Com o desenrolar da música vou-me deixando levar. A distância entre os nossos corpos diminui naturalmente.

Cada vez que ajeitas a mão que descansa sobre as minhas costas sinto o meu corpo arrepiar. De cada vez a sensação é mais intensa, é mais abrangente. Respiro fundo, numa tentativa de acalmar o coração que disparou.

Os meus olhos já fecharam. Apenas oiço a música, sinto a tua presença e a leve pressão dos teus braços que me indicam onde me queres levar. Sinto-me leve como uma pena. A sensação de não sentir tocar os pés no chão faz com que vá estreitando os braços junto ao teu pescoço para aumentar o meu conforto. Sinto-me perdida no espaço mas confiante na tua condução.

Volto a estreitar os braços à volta do teu pescoço, o que faz com que o meu polegar casualmente roce a tua orelha. Suspiras e, uma vez mais, sinto o meu corpo vibrar.

Ajeitas a mão que se apoia nas minhas costas, respiras fundo, prendendo o ar por uns segundos e libertando-o lentamente, levando o ar que expiras a envolver o meu ouvido. Outro arrepio percorre o meu corpo.

Um novo cingir de braços, faz com que a minha mão se aproxime da tua nuca, com que a ponta dos teus cabelos toque ao de leve os meus dedos e com que as minhas unhas afaguem os teus cabelos. Em reacção ao meu gesto, sinto-te inspirar profundamente.

Neste instante, sem querer, os teus lábios roçam a minha orelha. Um novo arrepio invade o meu corpo. E mesmo não sendo intencional os nossos corpos retraem-se, o que nos leva a ficar um pouco perdidos a meio da dança.
Recomeçamos o processo de adaptação. Uma vez mais os nossos corpos procuram o encaixe perfeito, a música atrai-os a comprimirem-se um de encontro ao outro. A temperatura volta a subir, o nosso suor mistura-se, os nossos lábios secam.

Com a língua vais tentando humedecê-los, para que o desconforto não quebre, uma vez mais, o desenrolar da dança. E numa das muitas tentativas falhas o alvo, acabando por passar a língua sobre o lóbulo da minha orelha. Os nossos corpos retraem-se num misto de desconforto e prazer. O braço enlaçado ao teu pescoço afrouxa, refreando o prazer.

Concentramo-nos na música, concentramo-nos na dança. De momento, somos um só. O meu corpo não hesita mover-se, sem qualquer resistência, aos teus comandos. Vai-se deixando guiar.

A nossa respiração encontrou o mesmo ritmo e os corações pulsam no mesmo compasso. Há muito que deixámos de reagir a estímulos externos.

Só existimos nós, a música e a dança. Perdemos a conta das músicas que passam.

A música termina, as luzes acedem-se, anunciando o final da noite. Os nossos corpos mantêm-se unidos, presos num abraço que termina no mesmo ponto onde começa. Continuam ligados pelo ritmo e dinâmica que criaram. Na sua música, na sua dança.

Constatamos que só restamos nós na pista e então afastamo-nos. A nossa respiração ainda está acelerada e as mão entrelaçadas.

Olhamo-nos, sorrimos e afagamos a mão um do outro, agradecendo. Os nossos corpos aproximam-se, provocando um ligeiro choque entre as nossas testas. Desvio a cabeça um pouco para o lado, aproximo os lábios da tua face e solto um beijo. Novamente, olhamo-nos, sorrimos e afagamos a mão um do outro.

Libertos da magia da noite de dança, nasce o constrangimento. As mãos soltam-se, os sorrisos desfazem-se e os olhos evitam-se.

- Tenho de ir. - digo enquanto te viro costas e me aproximo da saída.

-Sim. - consentes.

- Mariza! - chamas-me.

- Sim?

- Promessa cumprida?

- Desafio ganho.

- Brilhámos os dois, portanto.

Sorrio ao ouvir a tua resposta.




*Só porque, há pouco, ao acordar apercebi-me que a dança
 entrou nos meu sonhos e fez-me levantar com um sorriso nos lábios,
 que estou a aproveitar ao máximo, já que à partida vai ser sol de pouca dura. 
Hoje, o dia de trabalho que ai vem promete ser bem puxado e em ritmo nonstop.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

E Se...


... Só porque sim, recebessem um convite desses para o São Valentim.
Aceitavam?


Teoria Perdida - Palmadinhas Para Estimular a (Auto) Motivação



Todos nós passamos por fases em que nos sentimos mais em baixo e descompensados com a vida.

No meu caso, quando estou num destes momentos a expressão que mais uso é a "Não me apetece", já que nesta fase a minha rotina resume-se apenas e só à realização das tarefas mais básicas para manter um dia-a-dia 'normal'. Poucas ou nenhumas situações, corriqueiras ou extraordinárias, despertam-me o interesse e levam-me a mexer.

Mas como também toda esta inércia me incomoda começo a pensar como lhe dar a volta: preciso de por-me a mexer porque com o decorrer dos dias começo a ficar farta da minha auto-desmotivação, a partir daqui a expressão que mais uso passa a ser "Tenho que me mexer, mas ainda não me apetece".

O engraçado é que sempre que estou nesta fase, tenho uma amiga que parece que a pressente e no meio das nossas conversas estranhas, sobre tudo e sobre nada, arranja sempre soluções para ultrapassar seja qual for a situação. Por norma as primeiras soluções que lhe vêem à cabeça pouco ou nada têm a ver comigo, como ela bem sabe (depois lá consegue arranjar uma ou outra aceitável). Mas todas têm o condão de me fazer rir e entrar no registo do disparate que nos leva a chegar a conclusões ou teorias duvidosas.

As soluções apresentadas passam sempre por sair da rotina e descarregar a energia contida pela inacção (já que nos leva a estar sem energia para fazer mais do que aquilo que andamos a fazer) e traduzem em:

- Busca de aventura - vamos cansar o corpo para pôr o conta-quilómetros da nossa mente a zeros, mas tem que ser algo no campo do radical (adrenalina, adrenalina, adrenalina! Sim, estamos vivas.)

Ou

- Sair para socializar - vamos conhecer sítios e pessoas novas (endorfinas, endorfinas, endorfinas! Sim, estamos vivas).

Em relação à primeira fórmula mágica apresentada, ela sabe perfeitamente qual é a minha resposta: "O meu mexer está muito longe de passar por aí", mas tenta sempre 'cantar um fado', 'fazer uns malabarismos' ou 'dançar um sambinha' para ver se alinho nesta aventura.

Quanto à segunda fórmula mágica já consegue alguns minutos da minha atenção, porque somos people person (neste caso convém ler-se eu sou, porque, supostamente, ela não gosta de pessoas), mas grande parte das vezes a minha resposta é "Sim, sei que isso me fazia bem, mas... não me apetece".

Chegadas a este impasse lá começamos a expor o que vamos procurando ou devemos procurar para que a (auto) motivação se encontre dentro dos níveis aceitáveis. Numa das nossas inúmeras conversas surgiu a Teoria das Palmadinhas, as quais podem ser dadas por nós ou por outro. Contudo, não podem ser umas palmadinhas quaisquer, têm quer ser Palmadinhas Técnicas já que não deve haver ninguém que queira Palmadinhas Amadoras.

Agora vem a questão e o que distingue a Palmadinha Técnica da Palmadinha Amadora? É muito simples, as marcas que elas deixam em nós que depois condicionam a nossa acção.

A Palmadinha Técnica é agradável, tem o poder de estimular todo o corpinho. É aquela que se dada nas subidas mais íngremes melhora a circulação sanguínea e leva-nos a agir com entusiasmo, trazendo resultados muito mais rápido.

A Palmadinha Amadora é muito desagradável, leva-nos a querer ficar ainda mais parados ou no máximo a carpir sobre a nossa desmotivação, já que possivelmente enche-nos o corpo de nódoas negras. É o desânimo total, podendo ser comparável com o pessoal que faz chapão quando mergulha na piscina para poder ensopar todos os que estão secos e descontraídos ao seu redor.

Então, se o que queremos é estimular a nossa (auto) motivação o que se quer ou o que se deve procurar são estímulos positivos, não nódoas negras.

Assim, quando perdemos as forças para a auto-motivação (porque as palmadinhas que nos vamos infligindo estão a passar para o terreno das Palmadinhas Amadoras), devemos rodear-nos e socorrer-nos dos que nos são mais próximos e têm a capacidade de nos dar motivação e de nos conseguir mostrar novamente o caminho para a auto-motivação (já que para nós eles são os especialistas das Palmadinhas Técnicas que nos vão ajudar) e ficarmos longe daqueles que mais não querem ou não conseguem fazer do que alimentar a nossa inércia com as suas Palmadinhas Amadoras.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Parece Impossível... Mas É Verdadeiro



Hoje lá pelo burgo, que me dá a mesada para sustentar os vícios, estive cerca de 40 minutos em chamada com uma Cliente apenas e só para a acompanhar no primeiro acesso ao serviço que o nosso site disponibiliza.

Destes 40 minutos, estive cerca de 15 a tentar explicar-lhe onde ficava a barra de endereços do browser (que para quem ainda não sabe não é a barra de pesquisa do google ou de qualquer outro motor de busca que por norma definem como página inicial), durante outros 20 a dizer-lhe letra por letra o endereço do site, e o tempo restante a tentar que a senhora carregasse na tecla ENTER para carregar a página e assim podermos iniciar a navegação. 

Nesta fase, claro está, já tinha meio escritório a olhar para mim, atento à minha conversa. Sendo que em puro acto de desespero (já que a senhora não sabia realmente que tecla era esta, como também não sabia o que é um til e um acento circunflexo) acabei por tentar ir pelo caminho mais fácil e disse-lhe "É a tecla grande que fica ao lado da tecla três".

Quando percebi o que disse olhei, estilo reflexo condicionado, para o teclado numérico do meu PC para ver se era igual ao do telemóvel, que claro não é, e já não consegui manter-me minimamente séria e concentrada na chamada. Todos à minha volta só riam já que na cabeça deles chamei propositadamente a senhora de DEF.

Como mesmo com esta última explicação a senhora não conseguiu encontrar o ENTER perguntei se havia alguém por perto com mais experiência com computadores. Resposta: "A única pessoa que cá está é o meu marido e ele é que me pediu para fazer isso, porque não percebe nada e eu vou percebendo alguma coisa de computadores."

Depois de obter esta resposta e de todo este tempo que dediquei à senhora tive que sugerir que procurasse auxílio para ultrapassar esta dificuldade no posto de atendimento presencial onde lhe foram atribuídos os dados do acesso.



Claro está, fiquei o resto da tarde/noite de trabalho a pensar o
  que se passa na cabeça dos colegas do atendimento presencial para
subscreverem este serviço a clientes que mal sabem ligar um computador,
quanto mais usá-lo. Será que não se apercebem do risco que tal representa?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Dos Pastéis de Belém aos Acasos que Levam aos Azares

Há uns dias, depois de um belo almoço entre amigos, cerca das cinco da tarde, tiveram a brilhante ideia de ir lanchar aos Pastéis de Belém (ideia que não é má, já que Belém até é agradável e os Pastéis comem-se).

Imagem retirada e adaptada daqui
Esqueceram-se foi de três pormenores que iriam tornar a concretização desta ideia em algo no mínimo insuportável:

- Era uma tarde de domingo;
- Estava sol;
- E a temperatura estava bastante elevada para a época do ano.

Ou seja, estavam reunidas as três condições para, nessa mesma hora, a população de meia Lisboa e dos arredores estar concentrada aí (a outra metade estaria com toda a certeza na zona oriental de Lisboa) e, muito provavelmente, também a pensar em fazer o mesmo lanche.

Eu, como vivo pelas redondezas e conheço relativamente bem os ciclos de movimento da zona, prontamente tentei chamar-lhes à razão para estes pormenores, mas infelizmente não os dissuadi e lá fomos, porque não podia ser assim tão mau (lá estás tu com os teus exageros, disse-me um).

Claro está que quando lá chegámos estava montando o caos, quer na fila para a compra ao balcão, quer para o serviço de mesa. Os meus amigos ficaram todos muito desgostosos e enquanto eles perdiam-se em lamúrias, eu entrei noutro comprimento de onda e apanhei do ar uma conversa telefónica, meio surreal, de uma miúda que se já tivesse chegado à casa dos 20 seria muito.

Pelo que percebi, a conversa rodava à volta da questão de ser ou não ser pertinente apresentar aos pais um 'ele', o qual poderia ser um namorado recente ou um amigo colorido. Em qualquer dos casos seria um ele para ocupar os tempos mortos e desenvolver a perícia sexual.

Esta última frase é pura conclusão minha e tem, exclusivamente, a ver com o que ouvi a miúda dizer e que passo a citar:

- Ele? Só o apresentava aos meus pais se, por acaso, me engravidasse e
se, por azar, eu descobrisse fora de tempo para poder abortar.

É sabido que um dos poucos métodos contraceptivos em que é garantida 100% de eficácia é a abstinência. Mas dada a dificuldade em seguir este caminho, quando se busca a satisfação a dois, há muita escolha no mercado que reduz significativamente estes "acasos" que se podem traduzir nestes "azares". Sendo que na minha opinião, apesar de consagrada na lei, a interrupção voluntária da gravidez não é, nem deve ser usada com este intuito.

Ao ouvi-la lembrei-me de alguém que, como não tinha paciência para a toma diária da pílula e o respectivo namorado também não a tinha para o preservativo, usava e abusava da pílula do dia seguinte.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Dia que Marca

O dia 23 de Janeiro traz-me sempre à memória outros tempos em que a casa de família ficava cheia.

Era dia de celebrar o aniversário do meu pai, da minha tia L, da minha avó e do meu avô Pú, sempre em conjunto.

O uso do passado é propositado, pois a partir do ano 2000 passou a ser o aniversário do meu pai e da tia L e de 2007 em diante passou a ser, exclusivamente, o aniversário do meu pai.

O meu pai, hoje, só está a comemorar 60 primaveras e pela filosofia que tem da vida pretende ficar por cá muitos mais anos. Já que enquanto pode anda, no mínimo, um passo à frente da morte, aproveitando cada dia como lhe apetece. Apesar desta corrida ter sempre o mesmo vencedor, diz que a temos que tornar única, esticando-a o mais que conseguirmos. Visto passarmos mais tempo mortos do que vivos, afiança ele, não custa nada lutarmos para ter mais uns créditos e nos mantermos em jogo do lado que conhecemos mesmo com as amarguras que este lado também traz.

Eu só posso torcer que para assim seja, já que quando entro nestas memórias há uma contradição de sentimentos que me invade e me leva do riso ao choro em menos de nada.

Sinto alegria por todos os que se ausentaram terem feito parte do melhor do meu passado.

Alegro-me com a recordação dos cheiros, dos sons e de toda a azáfama da preparação que envolvia este dia: a confecção da comida, a escolha do repertório musical e a organização da casa, que passava por desmontar algumas divisões para apoiarem a cozinha e a sala de jantar, de modo a haver espaço e áreas distintas para todos comerem, conversarem e dançarem.

Alegro-me com a recordação da expectativa e ansiedade vividas enquanto via os convidados chegar, sentirem-se bem recebidos e, por isso, à vontade para passarem um bom bocado.

Alegro-me com a recordação do prazer sentido por todos que já no final da festa, mesmo cansados, ainda arranjavam forças para agradecer esta partilha com calorosos elogios, abraços beijos e apertos de mão.

Mas também sinto a tristeza pela saudade e pelo vazio deixado por os saber fisicamente inacessíveis e ausentes.

Entristeço-me pela falta que sinto do meu avô Pú que, embora não partilhasse laços de sangue comigo, com a minha irmã e os meus primos, tinha o maior orgulho no papel que teve na criação dos seus 6 netos, orgulho esse também por nós partilhado já que tivemos a oportunidade de o amar como o avô que verdadeiramente foi e ter a nossa infância devidamente documentada nos seus inúmeros registos fotográficos.

Entristeço-me pela falta que sinto da força e também do carinho da minha avó, que liderava a família com firmeza não deixando ninguém sair da linha, principalmente os netos e os 2 rapazes (filhos de amigas de infância) que acolheu e criou como seus filhos. A todos nós, sem excepção, ensinou a cuidar de uma casa. Aos rapazes a saberem respeitar e tratar como iguais as mulheres. Às raparigas a darem-se valor e a saberem que merecem o respeito de qualquer homem.

Entristeço-me pela falta que sinto da forma fácil como a minha tia L cativava-nos com a sua ligeireza em encarar a vida como uma viagem em que devemos partilhar o que de melhor temos e tentar tirar lições que permitam tornar positivos os espinhos que nos são apresentados.

Recordando-me das despedidas que tive de cada um, sinto sempre o coração apertado. Dizer adeus, sabendo-o definitivo dói.

Do meu avô Pú despedi-me na visita que lhe fiz no Lar, poucos dias depois de ele ter sido submetido a uma cirurgia simples, que tinha tudo para correr bem, mas não correu. Apesar do sorriso de orgulho que transpareceu nos seus olhos (um azul e outro cinza) quando me viu, notei que lhes faltou o brilho que costumavam passar quando expressavam este sentimento. No seu lugar estava a opacidade característica de quem já baixou os braços à vida. Em menos de uma semana, numa tarde de finais de Novembro de 1999, acabou por partir.

Da minha avó, apesar das visitas quase diárias que lhe fazia, a despedida foi bem mais cedo do que a data da sua partida, nos inícios de Dezembro de 1999. Infelizmente, o tal do Alzheimer obriga-nos sempre a perder em vida aqueles que amamos e que nunca pensámos que pudessem deixar de nos amar, devido a uma "simples" quebra no circuito que os liga à realidade.

Da minha Tia L foi tudo muito à pressa para quem ficou, ela já tinha tudo preparado para este momento que estava prestes a chegar, há muito que sabia o que tinha, mas escondeu de todos o seu cancro e a sua recusa de toda e qualquer forma de tratamento. Eu apenas tive tempo de, numa visita que lhe fiz ao hospital, 'ralhar' com ela (para não chorar), perguntando-lhe porque estava ela a reescrever a história que nós as duas tínhamos planeado para a sua velhice. Ela sorriu, respondendo-me que, não sendo tão linear como a pretendemos, a vida prega-nos estas partidas. E esta aconteceu em pleno domingo de Carnaval de 2006.

Mas como o dia de hoje é para celebrar a vida volto a recordar o meu avô Pú, a minha avó e a minha tia L como realmente foram:

A minha avó como uma mulher poderosa e sempre bonita, pronta para fazer surgir um sorriso fácil quando a objectiva de uma máquina fotográfica apontava na sua direcção, ao mesmo tempo que contava as histórias da vida na ilha antes da vinda para a metrópole e espalhava pelo ar o seu cheiro a caramelo, frutos secos e manteiga de tantos bolos de casamento e aniversários feitos.

O meu avô Pú no seu estilo clássico. Camisa impecavelmente vestida, acompanhada por um nó de gravata executado na perfeição e um cabelo exaustivamente bem penteado. E isso mesmo que fosse para se enfiar na sala com as aparelhagens e colunas que desmontava para melhorar a qualidade do som dos milhentos discos que por elas passavam, para assistir aos seus programas da vida selvagem na televisão, para ler o simpósio médico ou para ir à cata das folhas de babosa (mais conhecidas por aloe vera) para acalmar a sua pele demasiado sensível à luz.

A minha tia L de braços abertos para ajudar o próximo, a promover o convívio e a união familiar. Aproveitando o seu tempo para estar umas horas perdida entre a sua paixão pelos livros e entre as conversas sobre muitas das viagem que fez pelo mundo (já que conseguiu por acasos da vida passar por quase todos os continentes) ou a escolha dos nomes a dar aos filhos que eu, a minha irmã e os meus primos iremos ter.  Para além de ser a excelente anfitriã, que sem qualquer pudor, abria a porta da casa e convidava todos a irem-se embora, porque já era hora de dormirmos dormir.

Assim, consigo imaginar que se os três pudessem estar hoje a celebrar os 82, 93 e 71 anos, respectivamente, ainda teriam a mesma pedalada que o meu pai tem para nunca deixar passar em branco mais um ano de vida reunindo todos aqueles que vão dando sentido e alimentando a esperança que é a chama da vida.

E no fundo sempre estão, porque ano após anos neste dia, quando a família se junta, são sempre carinhosamente lembrados.