quarta-feira, 2 de outubro de 2013

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Gostava de voltar a ver-te independente, determinada e de sorriso fácil para a vida.

Gostava de voltar a ouvir os teus passos arrastados enquanto, atarefada, cirandavas pela casa.
 
Gostava de voltar a sentir os cheiros doces e salgados que espalhavas pelo prédio e pela rua quando te embrenhavas nos teus cozinhados.
 
Gostava de voltar a ver-te concentrada a organizar as tuas contas e sonhadora a planear o teu próximo passeio, projecto ou convívio.
 
Gostava de voltar a ser acordada pelo bater madrugador da porta de casa, quando saías para os teus afazeres e pelas entradas de rompante pelo meu quarto a chamares R. Mariza.
 
Gostava de voltar a ser inundada pelo teu entusiasmo para contares as peripécias do teu dia ainda antes de eu conseguir entrar e fechar a porta de casa.
 
Gostava de voltar a poder apanhar-te a roubar o melhor pedaço do meu pequeno-almoço e a entrar de mansinho na casa-de-banho quando ainda estava no banho.
 
Gostava de voltar a ir às compras contigo como se fosse a missão mais importante do mundo.
 
Gostava de voltar a poder chamar por ti para me trazeres aquilo que me esqueci por pura preguiça.
 
Gostava de voltar a envolver-me numa discussão calorosa contigo, daquelas sem pés nem cabeça, para amuarmos uma com a outra durante minutos, horas, dias ou semanas.
 
Gostava de voltar a sentar-me ao teu colo à procura de aconchego como se ainda fosse criança.
 
Gostava de voltar a ter-te ao meu lado a trocar opiniões sobre como levar o melhor da vida.
 
Gostava de voltar a ver-te vestir toda vaidosa para um serão especial.
 
Gostava de voltar a ouvir-te dizer "E porta-te bem" de cada vez que saio de casa.
 
Até há um mês estes pequenos nadas, que davam vida ao nosso dia-a-dia, eram vontades que nunca deixámos de reinvindicar nem de acreditar serem possíveis resgatar. Mesmo com o agravar da tua doença.
 
De há um mês a esta parte transformaram-se na marca da saudade, do vazio e do silêncio que a tua morte me deixou.
 
Partiste numa tarde de início de Setembro, embalada pelo brilho azul do céu e do sol escaldante...