domingo, 15 de janeiro de 2012

Das Relações

Foto de Erik Johansson retirada daqui 
Desde que terminou a febre das festas e entrámos na "boring season" que é o mês de Janeiro, dei-me conta que as conversas que apanho do ar de completos desconhecidos e as que amigos e conhecidos vêem partilhando comigo giram em torno do mesmo tema, as relações afectivas.

De todas estas conversas, em que se esmiúçam sentimentos e se debatem pontos de vista do que deve ser e o que é estar numa relação, acabo quase sempre por chegar à mesma conclusão: Quase ninguém se sente bem no estágio em que se encontra.

E isto acontece independentemente de estarem ou não a viver uma relação. De estarem em procura activa e desesperada ou a aguardar passivamente.

As causas deste mal-estar?

Atribuo-as a algo bem simples. À total incapacidade que muitos de nós temos em estar sozinhos e de não nos sabermos bastar a nós próprios para estarmos de bem com a vida.

Há uma enorme necessidade de buscarmos validação num outro e, pelo que está culturalmente enraizado e socialmente imposto, através de uma relação teremos isso.

E pela pressão que esta 'lei' transmite, muitos de nós acabamos por entrar numa busca incessante por alguém que nos satisfaça (e que grande parte das vezes também procura satisfazer) esta vontade egoísta de não estar só.

Só que o egoísmo só tem em conta a satisfação do eu.

Por conseguinte, basear uma relação nessa premissa é permitir, a curto prazo, que a mesma deixe de ser afectiva e passe a ser conveniente. Já que, depois de passar a novidade inicial da paixão, cada um só se vai lembrando de alimentar o seu eu, seguindo exclusivamente as suas próprias vontades, e vai-se esquecendo que tem de ter tempo e dar espaço para alimentar e fazer crescer o nós. Que, só por acaso, é o pilar que dá longevidade e torna funcional uma relação a dois. Mas isso dá trabalho.

Na falta de convergência de vontades e do nós, o dia-a-dia passa a ser um permanente braço-de-ferro de imposição de vontades, em que cada um assume-se perante o outro como seu proprietário e, como tal, não vê motivos para ceder nem para abdicar de seja o que for. Este constante esgrimir desgasta psicologicamente, cansa fisicamente e maltratando a relação.

Toda esta conjugação de factores traz o mal-estar que vamos revelando em desabafos encriptados entre os amigos, já que no seio da relação assumir isso é tornar-se o elo mais fraco, aquele que não aguenta viver na ilusão do está tudo bem. 

Mas alguém que tente perguntar porque há esta insistência em viver relações nas quais não se busca a confiança, o entendimento e a partilha de afectos, mas sim a mentira, a guerrilha chantagista e a conquista de poder. As respostas vão variar entre "Ah... O que tem de mal, são turras de amor? É mesmo assim e antes isso do que ficar sozinho" e "Estava farto de estar sozinho, por isso meti-me nisso".

O que é triste, já que os de nós que acabam por seguir por este caminho vão deixando de lado os afectos e cada vez mais procuram as conveniências (quer sejam os acomodados que mantêm a relação porque dá trabalho recomeçar, quer sejam os pinga-amor que saltam de relação em relação e o que lhes interessa é alimentar a paixão fácil).

A meu ver, abandonar os afectos é virar costas a nós mesmos, é deixar de nos vermos e assim de nos conhecermos. É deixar de conseguir conviver positivamente com a única pessoa que nos vai acompanhar, com toda a certeza, ao longo da vida.

Como é que sem esta capacidade de sabermos estar sozinhos, sermos positivos e crermos em nós, teimamos em acreditar que podemos dar e receber isso de outro?

Porque por conveniência assumimos um compromisso de convivência diária, apenas e só para não estarmos sós? Sendo esta miudeza o máximo que sabemos e temos para dar, mas pretendendo que nos dêem tudo o resto que não temos nem sabemos dar.

É isso que se espera de uma relação dita moderna que me leva a estar sossegada no meu canto.

14 comentários:

  1. Porra...
    Que raio de ralações ou relações tu conheces,até as flores deixaram de ser narcissistas.Dá-me ideia é que o problema é do espelho ou então tenta "um novo ângulo"

    OPIUM99

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  2. Concordo muito contigo. O que mais vejo à minha volta são pessoas que acham que "estar só" é sinal de que algo não está bem, e pior que isso, é deixarem-se pressionar pela opinião dos outros. Daí que a tal busca de um companheiro passa a ser uma forma de ser aceite como "normal" ou "capaz". Depois andam aí em guerrinhas emocionais, a sujeitarem-se a tudo e mais alguma coisa e a quererem fazer o outro sujeitar-se também a tudo e mais alguma coisa, em nome desse suposto estado de felicidade. Tenho muitos casos à minha volta de pessoas que não sabem estar sós, e nem sabem que é possível sentimo-nos felizes assim. Farto-me de ouvir barbaridades por não querer estar num relacionamento. Mas sinceramente, ter um namorado só para parecer bem aos outros, é coisa que não me interessa, por isso, estou como tu, sossegada no meu canto.

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  3. Muito pertinente esta exposição, por quem sabe realmente observar :)

    Infelizmente a maioria das relações modernas têm a conveniência como o principal face.

    Embora eu ache que seja prejudicial isolar-nos e mantermo-nos no nosso canto por tempo indeterminado na esperança de alguém que idealizamos como tendo as características ideais, também sei que após a fase das conquistas o narcisismo começa a ordenar. Vejo muito isso à minha volta porque o ter alguém constantemente na nossa vida, pelo menos neste país é um género de estatuto social.

    Eu nunca liguei para isso e já passei mais tempo sozinho que acompanhado e sempre lidei mais ou menos bem com os momentos no meu canto.

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  4. OPIUM99,

    O meu espelho pode é ser mais amplo do que o teu. Ou então deduzo que dentro do teu circulo social as relações são todas cor-de-rosa. Se o são, óptimo, porque é assim que devem ser.

    O que aqui destaco, não tem a ver com um ângulo distorcido que o meu espelho me dá, é algo que acontece, mais vezes do que devia e sei que há muitos que caem nisso por puro engano e outros tantos por quererem ganhar o desafio de manipular o outro.

    Grande parte das vezes só o 'apanhamos' em pequenos detalhes, gestos, expressões e acções que, por serem tão banais, não são encarados como sinais de alarme... Até ao dia em que se nos apresentam com uma magnitude impossível de ignorar e nos fazem juntar dois mais dois. O que cada um faz com o resultado que daí tira já é problema dele.

    Mas se optam por aceitar esta relação, que construam algo que valha a pena, em que invistam mais do que o medo de estar sozinhos e também recebam mais do que isso, birras e discussões. Uma relação deve ser uma âncora que nos transmite estabilidade e nos alimenta a felicidade.

    Infelizmente, o que vou cada vez mais vendo e ouvindo daqueles que conseguiram a relação, é o inverso, porque só fizeram planos para a terem e não para a manterem.

    O facto de mostrar um dos lados negros do que pode vir de uma relação, não quer dizer que eu não acredito ou desconheço que a relação tem lados mais mais luminosos. O que é preciso é saber estar.

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  5. Ana,

    O pior é conseguires explicar a quem pertence ao 'grupo dos alinhados' que estar fora é uma opção tão válida como a deles.

    Já que passaram a estar formatados para acreditarem que só estamos completamente realizados quando, para além de termos ultrapassado com sucesso todos os obstáculos que nos foram surgindo na vida, temos uma relação (mesmo que disfuncional).

    E por norma os que mais condenam os desalinhados foram aqueles que até mudarem de equipa eram (falsos) contestatários desta pressão social.

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  6. Martini,

    Manter-nos à margem não é excluir-nos do convívio social e de conhecer outras pessoas. Muito menos é estar de check list na mão para, cada vez que alguém nos dê uns minutos de atenção, vejamos se preenche todos os predicados.

    Manter-nos à margem é sim, termos abertura de espírito para não deixarmos de fazer o que nos apetece só porque falta companhia, é sabermos que podemos dizer que não a todos que nos aparecem à frente com a promessa do eldorado, mesmo que saibamos que o que virá a seguir pode ser nada. É podermos ter tempo para sempre que nos apeteça nos dediquemos a nós sem constrangimentos. É sabermos estar bem com nós mesmo e por conseguinte para com os outros.

    Ser o porta-chaves de alguém só porque fica bem na fotografia do social? Temos pena, para além de ser pouco fotogénica, sou do contra.

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  7. Porque é que as pessoas ficam descontentes? Quiçá por criarem expectactivas em demasia? Porquê esperar a validação de outrém quando o primeiro "selo de aprovação" tem que estar em nós mesmas?!
    Beijinhos

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  8. Sofia,

    É mais fácil fazer uma avaliação para aprovação do outro do que uma auto-avaliação. Nós somos sempre seres perfeitos, pelo menos é o que muitos acham.

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  9. O teu espelho pode e deve ser aquilo que quiseres (mais ou menos amplo), mas tambem pode ser aquilo que os "outros" te possibilitem que seja.
    O importante não são os detalhes que te atormentam, mas sim a floresta que está seguramente à tua espera na esquina da vida.
    É pá temos de acreditar nalguma coisa, senão isto torna-se lixado.

    OPIUM99

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  10. OPIUM99,

    Exactamente, a percepção e dimensão que temos da realidade depende da amplitude que a nossa visão nos dá, quer por aquilo que vemos, quer por aquilo que nos é dado a ver.

    E por mais que se diga que os detalhes não importam, desculpa lá mas isso é conversa para boi dormir. Basta reparares que quando estás completamente perdido de amores por alguém ou, pelo contrário, odeias alguém de morte (o que eu acho que é um desperdício de tempo e energia, porque alimentar este tipo de relações é dar importância a quem não a tem) o que fazes para enaltecer ou desvalorizar o outro é pegar num detalhe, como um tique nervoso.

    Posso-te dizer que consigo irritar, chocar ou fazer sorrir até chegar à gargalhada os meus amigos pelos detalhes que tenho observado, ao longo dos anos que temos de convivência. E para tal grande parte das vezes nem é preciso abrir a boca basta um olhar, um levantar de dedo.

    E uma vez mais digo que se não acreditasse em nada, e neste caso específico que podemos ter uma relação funcional (que é diferente e bem mais realista do que ser perfeita) estaria como aqueles de quem falo aqui.

    Sendo que o que critico mais nesta situação é a arrogância e olhar de "ai, coitadinhos!" que teimam em lançar para quem opta estar sozinho. E, que eu saiba, escolher estar sozinho é uma opção de vida tão válida como escolher estar numa relação.

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  11. Touché
    já meti a pata na poça!
    Claro que os detalhes importam, e às vezes só vemos os detalhes..detalhes NÂO! o detalhe e fixamo-nos nessa circunstância.
    Desculpa lá sou um poço de contradições e em duas linhas digo o eu e o seu contrario.Mas tenho uma desculpa..eu falava dos detalhes e esqueci-me do mais importante o "Detalhe" aquele "Detalhe" o raça do "--se-".
    Agora volto ao ataque já que na primeira batalha levei 5 a 0..não me venhas com lamechices da treta do estar ou não sózinho, e opções de vida e bla, bla....ninguen quer estar sozinho e é por isso que as mulheres compram ou aperfilham gatos (não tenho nada contra os gatos e nunca compreendi esse mistério dos gatos) e os homems vão ver o CR7.
    Estar sózinho é lixado, mas estar mal acompanhado ainda é pior.Que sufoco.....e agora o "boi" vai trabalhar.

    OPIUM99

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  12. OPIUM99,

    Lá voltámos à versão inicial dos espelhos, já que nem sempre temos presença de espírito suficiente para nos apercebermos que as coisas/situações podem ser vistas de 'N' formas diferentes.

    E por aqui, como na vida real, não alimento batalhas, apenas debato e apresento opiniões que podem ou não ser concordantes com as de quem aqui passa deixando as suas. Assim, não há vencedores nem vencidos.

    Quanto ao teu segundo round, julgo que estás a dar razão ao que eu expus neste texto quando dizes que "Estar sózinho é lixado, mas estar mal acompanhado ainda é pior". Para além de que podemos não querer estar sozinhos, mas julgo que devemos saber estar sozinhos e não andar alapados a uma relação (disfuncional) só para evitar esta 'fatalidade'.

    Para mim estar mal acompanhado não deveria ser uma opção de escolha para ninguém. Estar a fazer fretes, a levar com birras e mau feitios de outro, numa cadência diária e ininterrupta, só para não estar só? Prefiro ficar-me pelos meus amoques (que acontecem naqueles dias em que não me suporto).

    Agora se a opção for entre estar bem acompanhado, muito bem acompanhado ou extremamente bem acompanhado, a história é outra.

    Como animais sociais que somos, temos curiosidade em conhecer e interagir com outras pessoas. Eu não sou excepção.

    Este diálogo que temos vindo mantendo por estes dias deve demonstrar isso (e se quiseres podes, inclusive, dar uma leitura rápida pelo que eu já publiquei por aqui). Não sou um ser anti-social, sempre fechado em casa e que das poucas vezes que vê-se obrigado a ir à rua olha com desconfiança para toda a gente e foge se abordado por alguém.

    Sobre gatos e CR7 não comento nada porque não percebo esta moda. Prefiro muito mais distrair-me e ocupar-me com um livro, com uma conversa entre amigos ou desconhecidos, numa caminha à beira-mar ou pela cidade e até mesmo à volta dos tachos na cozinha a inventar pratos. Ah! Isso sem contar com a dedicação à escrita de textos, muitos de dimensão testamentária. :)

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  13. Todas as pessoas conhecem os lados negros e luminosos das relações, o que tem de bom e o que têm de mau, mas regra geral nestes espaços de reflexão dá-se mais espaço ao criticismo sobre as relações, ou aos tais aspectos negativos.

    Eu por acaso há uns tempos escrevi um rascunho "Sobre relacionamentos contemporâneos" devidamente acompanhado pelo parêntesis (post longo) inclusive evocando uma situação minha porque nestas coisas eu gosto de falar casos práticos e não falar somente no infinito, mas por saber que a forma como por vezes falo de muitas coisas, acaba por ofender quem lê (é um defeito da minha escrita) decidi mantê-lo nos rascunhos. Com muita pena minha :)

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  14. Martini,

    Dá a volta ao texto para ver se o consegues lapidar e tirar dos rascunhos ;)

    Para este, precisei de uns 4 dias, parecia-me sempre demasiado cru e num tom que se podia facilmente ser confundido com amargura.

    Principalmente, porque é uma opinião que pode levar a caloroso debate.

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