terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Da Frontalidade dos Mais Velhos


A propósito da frontalidade contemporânea relatada AQUI, em que me ofereci para relatar "uma ou outra história de comportamentos frontais dos mais velhos neste mesmo registo" e uma vez que esta oferta foi aceite. Aqui vão elas (só espero que correspondam às expectativas).


HISTÓRIA 1 - Entre Pais e Filhos

O top da To Do List de uma amiga (para além dos clássicos plantar uma árvore e escrever um livro) é ser mãe. Toda a família dela sabe disso e muitas vezes é o tema das conversas nos almoços domingueiros em que se juntam todos (o pai, a mãe, os padrastos, os irmãos, os tios e os avós)., já que para além de serem muitos, são bastantes interventivos na vida e nas decisões uns dos outros.

Os planos do quando e do como há muito que estão traçados, havendo duas possibilidades para o projecto ser concretizado. E agora que a idade por ela definida como limite está a aproximar-se, o pêndulo está cada vez mais inclinado para o cenário que sempre gerou mais controvérsia. Já que ela, de momento, não tem uma relação e não conta que em breve isso possa acontecer.

Os dois planos que ela vem organizando têm em conta dois possíveis cenários:

Cenário A - Ter uma relação;
Cenário B - Não ter uma relação.

O Cenário A sempre reuniu o consenso geral da família e não faz qualquer diferença que a concepção seja realizada no clássico estilo missionário ou num mais exuberante proporcionado pelo Kama Sutra e pela imaginação dos intervenientes.

O Cenário B é que tem feito surgir as conversas mais absurdas, porque em família não pode deixar de haver frontalidade.

Assim, não havendo relação, o método de concepção será a inseminação artificial com doador anónimo (pois neste cenário ela prefere uma produção independente).

Ao pai e a um dos padrastos faz-lhes confusão o doador anónimo. Por isso, já apresentaram várias listas de amigos que estariam dispostos a serem-no, já que querem ser pais. A lista até vem com os predicados que justificam a escolha de X, Y e Z.

À mãe tudo neste cenário não faz sentido, já tendo esgotado todas as justificações para as objecções que tem.

A última de todas, foi a que bateu para lá do fundo da absurdidade e aconteceu quando em mais um almoço domingueiro, a avó pediu que lhe relembrassem os nomes escolhidos para o seu futuro bisneto.

Neste dia a mãe da minha amiga atingiu o seu limite, tendo entrado numa conversa com ela no mínimo macabra, no intermédio sarcástica e no máximo caustica.

Mãe - Acha mesmo que eu vou ter um neto chamado Francisco Frasquinho ou uma neta chamada Mariana Pipeta?

Filha - Frasquinho e Pipeta? O que quer dizer com isso?

Mãe - Sim, já que é nisso que se resume a inseminação, o apelido da parte do pai será um destes dois.

Filha - Oh mãe, francamente! Um filho meu irá ser sempre seu neto e basta-lhe o meu apelido.

Mãe - Filha, a sério, se quer mesmo ter um filho e encontrar uma relação está a ser difícil... Olhe, vá à rua escolha qualquer homem, mesmo que estafermo, e leve-o para a cama. Mais vale isso a um Frasquinho ou a uma Pipeta.


HISTÓRIA 2 - Entre namorados

Tenho um amigo que está em crise de meia idade, desde que chegou aos 35 e soube que a ex-mulher já se tinha orientado na vida.

Agora, quase a chegar aos 40 (que é aquela idade em que aos olhos dele deixas de conseguir fazer tudo, porque já estás a caminhar para senil) a crise tem-se intensificado. Até porque ora encontra-se sozinho, ora arranja uma relação que dura pouco mais do que 3 meses, quase sempre porque as miúdas que ele arranja ainda não têm independência financeira (rondam os 20 e poucos anos) e, assim, não conseguem acompanhar o estilo de vida dele, que lhe permite outras liberdades.

Claro está que, como qualquer homem em crise de meia idade, ele idealizou, ao nível físico, a mulher que procura para companheira e durante os últimos anos é isso que tem vindo a fazer (supostamente é um homem de relações, não consegue estar sozinho).

Esta mulher tem que ser loira, olhos claros (preferencialmente azuis), com corpo perfeito e não ter mais do que 33 anos e não consegue deixar de perseguir este registo de mulher.

Acontece que há uns 9 meses apaixonou-se e começou a namorar com uma mulher de olhos claros (mas não azuis), cabelo castanho claro (ou loiro escuro como ele gosta de afirmar), mas que não encaixa no seu ideal de mulher por dois motivos: não tem um corpo perfeito e tem mais do que 33 anos.

Na sua frontalidade moderna (ou ausência de inteligência emocional) resolveu dizer-lhe isso mesmo e, de uma forma pouco subtil, começou a controlar o que ela come.

Ela, fruto da idade e de se aceitar como é, acabou por levar esta história do ideal de mulher na brincadeira, até quando começaram as conversas sobre a possibilidade de irem morar juntos.

Nesta fase, ele entrou em conflito interno e ficou bastante hesitante. Ela ao aperceber-se disso perguntou se estariam a ir demasiado depressa. Ele disse que não, estava só meio confuso. E ela perguntou confuso em relação a quê.

Resposta dele: Confuso em relação a ti. Gosto de ti como não me recordo de gostar de alguém, fazes-me bem, temos um bom entendimento a vários níveis. Mas no meu ideal físico de mulher és um quase: quase loira, quase magra e tens quase olhos azuis. E está a ser difícil não dar importância a isso.

Está comprovado que a frontalidade contemporânea pode não escolher idades?

3 comentários:

  1. Bem, duas histórias hilariantes, na verdade:)

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  2. Dois casos excelentemente retratados que mostram que a "frontalidade contemporânea" não conhece realmente idades, mas se for para avaliar a menos inconveniente de ambas mais depressa entendo a primeira que a segunda. Por outro lado também entendo a decisão da mulher em não querer um pai qualquer para o seu filho/a. Conheço imensos exemplos de mulheres às quais seria melhor que tivessem tido filhos via inseminação do que pelo método tradicional e um desses exemplos é uma das minhas irmãs. Mas julgo que a sociedade ainda não está devidamente instruída nem preparada para aceitar isso quando as pessoas têm condições de terem filhos pelo método convencional. Ainda vamos a uma longa distância.

    Relativamente ao segundo caso de "frontalidade" estou sem palavras. Como é que um tipo quase nos 40 anos pode ser tão "caprichoso" a esse ponto? Quer ele uma companheira como deve ser ou um objecto para se pavonear na rua?! É que esse tipo de discurso já nem vai funcionando nos mais jovens, esses que são, teoricamente mais susceptiveis ao idealismo a nível físico.
    Esse homem pode e deve mesmo acabar sozinho...

    Os casos que apontaste são mais ilucidativos que o meu, e se os juntássemos todos iríamos concluir que a "frontalidade contemporânea" é uma das mais graves ameaças sociais da atualidade :)

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  3. Hugo,

    O estas histórias para quem as viveu só se tornam hilariantes, quase sempre, com a distância temporal que nos faz tornar anedótico algo que nos magoou. Para quem apenas as ouviu tornam-se hilariantes pelo absurdo da falta de tacto que de quando em vez conseguimos demonstrar para com aqueles que amamos. Como os temos como um dado adquirido, acabamos por ser menos contidos quando abrimos a boca.

    Martini,

    Entre os dois, eu não consigo atribuir uma maior ou menor gravidade na atitude. E vamos por partes.

    Relativamente à primeira:

    Como tu tão bem disseste, nenhuma mulher sensata, só porque quer ter um filho, vai enfiar qualquer um na cama para a realização desta vontade. Isso seria capricho de menina mimada. E olha que a menina desta história é bastante.

    Para além de que as 'histórias' da família dela (de um patamar social que grande parte de nós só sonha como deverá ser) dariam para um enredo de uma telenovela de co-produção brasileira, venezuelana e norte americana.

    É por ter conhecimento de muitos episódios desta 'história', que a tornam numa família peculiar (quer no bom e quer no mau sentido) que me chocou ouvir o que aqui contei.

    Relativamente à segunda:

    Como disse, o protagonista está numa crise de meia idade que já dura demasiado tempo, é verdade. E segundo o próprio afirma tem uma lacuna de aprendizagem no relacionamento íntimo/emocional (o que ele tem a mais de inteligência cognitiva, falta-lhe na emocional).

    Lidar com coisas e pessoas que saem do script que idealizou para a vida é complicado. Tem que haver uma ordem em tudo isso e os sentimentos e relacionamentos pessoais alteram, e de que maneira, esta ordem.

    Para além do capricho do ideal de mulher (que, claro está, nas inúmeras tentativas que teve não conseguiu realizar) já conquistou outros materiais (típicos de quem procura, na aquisição de objectos, preencher o sentimento de vazio e fracasso pessoal/relacional). Como se dessa forma pudesse parar o tempo para conquistar o que lhe falta, porque não consegue ver-se envelhecer nesta condição.

    Esta conversa, sendo comigo, teria sido a última. Inclusivamente, perguntei porque é que ele teima em partilhar certas opiniões com 'Quase' quando podia, simplesmente, ficar calado. Resposta dele: "A 'Quase' não gosta de mentiras, as quais também englobam a omissão. Combinámos dizer sempre a verdade um ao outro. Por isso, disse isso."

    Como foi verdadeiro com a 'Quase' a relação deles continua e acabaram mesmo por ir morar juntos. Mas agora quem está no controlo da relação é a 'Quase' que o consegue através de cenas de ciúme e alguma 'tortura' psicológica que não lembram nem ao menino jesus.

    Outra situação que não compreendo.

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