terça-feira, 16 de outubro de 2007

Não É Assim Que Se Diz!

Ontem quando estava a regressar a casa, depois de mais um dia de trabalho, entro no autocarro e passado algumas paragens entram, em amena cavaqueira, mãe e filha.

A criança, com cerca de 7 anos, está na fase de soletrar palavras. Tudo o que lhe aparece no campo de visão e lhe disperta curiosidade é soletrado (raramente se engana, só quando ainda confunde letras).
Imagino a paciência de santo que a mãe dela tem para a aguentar, dia após dia, em viagens de uma hora. A criança não se cala nem para respirar. Parece que está ligada à corrente e não há forma de encontrar um botão de 'off' (já nem falo de um botão dos níveis de décibeis, porque sei que é pedir demasiado).

A meio da viagem a miúda começa a gritar:

- Oh mãe! Oh mãe! Olha o polícia. Olha, olha...
- Sim filha já vi.
- Olha, olha mãe ele tem qualquer coisa escrita nas costas.
- Sim filha, é polícia, todes têm.
- Com'é que sabes se ainda não olhaste pra eles?
- Humm?!?!?
- Sim, tás c'os olhos no telemóvel.
- Pois, mas é isso, eu sei...
- Mas com'é que sabes?
- Consegues ver o que tá escrito nas costas dele?
- Sim.
- Atão soletra prá 'cabarem as teimas.
- Tá bem. P-L-I-C-I-A, Plícia.
- Oh filha p'lo amor de Deus é P-U-L, 'PUlícia' agora plícia. BURRA!!!

A miúda calou-se, cruzou os braços e amuou.

Nesta altura, incrédula com o que tinha acabo de ouvir, levantei a cabeça para perceber o que se passava.

À mãe atribuí nota máxima pelo atentado à língua portuguesa e pela frieza e certeza com que corrigiu a filha, sem nunca tirar os olhos do telemóvel.

E à miúda atribuí uma medalha de mérito, porque de facto não se enganou a soletrar já que a palavra que se via nas costas do polícia era mesmo 'plícia'. Devido à postura o 'o' ficou escondido.



Saí do autocarro, ainda desnorteada com o que se passou. E enquanto caminhava até casa recordei-me de uma situação passada (era eu uma pré-adolescente) em que a empregada lá de casa corrige o modo de falar da filha e acaba por se enterrar.

Chega a hora do lanche e eu, a minha irmã e os meus primos perguntamos à miúda:

- Flávia o que perferes? Sumo, leite, chá ou iogurte?

Ela pensa, pensa, pensa e meio envergonhada e perdida com tantas hipóteses de escolha acaba por dizer com um sorriso nos lábios:

- Quero grute!

Nós entendemos o que ela queria, acho que qualquer um entendia. Mas no instante a seguir ouvimos a mãe a gritar da outra ponta da casa:

-OH Flávia já te disse que não se diz grute é agurte.

Como putos que éramos não conseguimos conter o riso. E até hoje, passados uns 20 anos, sempre que apanhamos alguém a corrigir outro alguém, ou, pior ainda, quando encontramos a miúda gritamos:

-OH Flávia já te disse que não se diz grute é agurte.

12 comentários:

  1. LOL. As vezes a imensa é pior que o soneto. Enfim...essa mãezinha devia era ter-se calado e não meter uma argolada dessas

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  2. Pobres criancinhas, com mães assim...não vão muito longe, não!

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  3. infelizmente, há pessoal que fala muuuito mal... Mesmo pessoas com instrução, por isso não é de estranhar...

    Bjks
    Su

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  4. Olha lá e o "agurte" era natural ou com sabor?! ;)

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  5. Cruzes canhoto, este mundo está perdido! Vai ser bonita esta nova geração de trabalhadores... este texto deveria ser publicado num jornal diário de grande tiragem! :)

    P.S.: Adoro a maneira como escreves! Fantástica!

    Bjinhos

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  6. Psyhawk:

    é complicado querer-se ser minimamente inteligente entre 'espertos'

    Bjkas

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  7. Ana:

    É um facto. Há quem sinta um imenso prazer em ter tamanho poder em dominar os outros, nem que seja através da sua própria pobreza de espírito que considera o seu 'saber' de mãe inquestionável

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  8. Su:

    O falar mal às vezes já não incomoda, mas querer corrigir o bem com um irrefutável 'eu é que sei'...

    Bjkas

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  9. Magnólia:

    Tendo em conta os anos que já lá vão, o 'agurte' devia ser natural e daqueles não açucarados que nos deixavam um amargo de boca ;)

    Bjkas

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  10. Maga Patalógica:

    Olha, olha! Bem vinda ao meu espaço :)

    Nós é que não somos nem perdidos nem achados neste mundo.

    Publicado num jornal diário?!?!? Não penso nisso, nunca pensei.

    Obrigada pelo P.S. ;)

    Bjkas

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  11. Nossa senhora que pobreza...
    Mas na falta de melhor quero um agurte de morango :)

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  12. Mordu-de-chocolat:

    Sai um agurte de morango para a menina que acabou de chegar LOL

    Bjkas

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