quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Outros Tempos, Outras Danças: A Menina Dança? (Reeditado)*


-Isso é um desafio, Fred Aster?

- Não. É uma promessa.

- Para não cumprir, queres ver?

-Bem, acho que chega de palavras. Vamos à acção.

- Tudo bem.

-A menina dança? - lanças o convite, enquanto me estendes o braço e me encaminhas para a pista.

- Uhm?!?!? Sabes dançar?

-Eu prometi fazer-te brilhar.

- Mas sabes danç...

-Xiuuuuu... - sussurras, aproximando o indicador dos lábios para enfatizar que o momento é para dançar.

Remeto-me ao silêncio.

Os nossos corpos enquadram-se, os nossos braços emolduram-se. O meu entre o teu omoplata e pescoço, o teu um pouco acima da minha cintura.

A medo, as nossas cabeças aproximam-se, acabando por encontrar a posição perfeita. Com o desenrolar da música vou-me deixando levar. A distância entre os nossos corpos diminui naturalmente.

Cada vez que ajeitas a mão que descansa sobre as minhas costas sinto o meu corpo arrepiar. De cada vez a sensação é mais intensa, é mais abrangente. Respiro fundo, numa tentativa de acalmar o coração que disparou.

Os meus olhos já fecharam. Apenas oiço a música, sinto a tua presença e a leve pressão dos teus braços que me indicam onde me queres levar. Sinto-me leve como uma pena. A sensação de não sentir tocar os pés no chão faz com que vá estreitando os braços junto ao teu pescoço para aumentar o meu conforto. Sinto-me perdida no espaço mas confiante na tua condução.

Volto a estreitar os braços à volta do teu pescoço, o que faz com que o meu polegar casualmente roce a tua orelha. Suspiras e, uma vez mais, sinto o meu corpo vibrar.

Ajeitas a mão que se apoia nas minhas costas, respiras fundo, prendendo o ar por uns segundos e libertando-o lentamente, levando o ar que expiras a envolver o meu ouvido. Outro arrepio percorre o meu corpo.

Um novo cingir de braços, faz com que a minha mão se aproxime da tua nuca, com que a ponta dos teus cabelos toque ao de leve os meus dedos e com que as minhas unhas afaguem os teus cabelos. Em reacção ao meu gesto, sinto-te inspirar profundamente.

Neste instante, sem querer, os teus lábios roçam a minha orelha. Um novo arrepio invade o meu corpo. E mesmo não sendo intencional os nossos corpos retraem-se, o que nos leva a ficar um pouco perdidos a meio da dança.
Recomeçamos o processo de adaptação. Uma vez mais os nossos corpos procuram o encaixe perfeito, a música atrai-os a comprimirem-se um de encontro ao outro. A temperatura volta a subir, o nosso suor mistura-se, os nossos lábios secam.

Com a língua vais tentando humedecê-los, para que o desconforto não quebre, uma vez mais, o desenrolar da dança. E numa das muitas tentativas falhas o alvo, acabando por passar a língua sobre o lóbulo da minha orelha. Os nossos corpos retraem-se num misto de desconforto e prazer. O braço enlaçado ao teu pescoço afrouxa, refreando o prazer.

Concentramo-nos na música, concentramo-nos na dança. De momento, somos um só. O meu corpo não hesita mover-se, sem qualquer resistência, aos teus comandos. Vai-se deixando guiar.

A nossa respiração encontrou o mesmo ritmo e os corações pulsam no mesmo compasso. Há muito que deixámos de reagir a estímulos externos.

Só existimos nós, a música e a dança. Perdemos a conta das músicas que passam.

A música termina, as luzes acedem-se, anunciando o final da noite. Os nossos corpos mantêm-se unidos, presos num abraço que termina no mesmo ponto onde começa. Continuam ligados pelo ritmo e dinâmica que criaram. Na sua música, na sua dança.

Constatamos que só restamos nós na pista e então afastamo-nos. A nossa respiração ainda está acelerada e as mão entrelaçadas.

Olhamo-nos, sorrimos e afagamos a mão um do outro, agradecendo. Os nossos corpos aproximam-se, provocando um ligeiro choque entre as nossas testas. Desvio a cabeça um pouco para o lado, aproximo os lábios da tua face e solto um beijo. Novamente, olhamo-nos, sorrimos e afagamos a mão um do outro.

Libertos da magia da noite de dança, nasce o constrangimento. As mãos soltam-se, os sorrisos desfazem-se e os olhos evitam-se.

- Tenho de ir. - digo enquanto te viro costas e me aproximo da saída.

-Sim. - consentes.

- Mariza! - chamas-me.

- Sim?

- Promessa cumprida?

- Desafio ganho.

- Brilhámos os dois, portanto.

Sorrio ao ouvir a tua resposta.




*Só porque, há pouco, ao acordar apercebi-me que a dança
 entrou nos meu sonhos e fez-me levantar com um sorriso nos lábios,
 que estou a aproveitar ao máximo, já que à partida vai ser sol de pouca dura. 
Hoje, o dia de trabalho que ai vem promete ser bem puxado e em ritmo nonstop.



5 comentários:

  1. "Posso comentar com...

    Música que adoro?

    ;)

    Afinal não será a música uma bela maneira de nos expressar-mos?*

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  2. Hugo,

    ;)

    Catarina,

    A tua escolha não é má, mas no original o ritmo era outro bem mais quente, até pela letra (http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=BiY-Ft4VhHM).

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  3. Por vezes apanho esse programa na rádio, visto que nao tendo TV, compenso isso pela rádio online, poucas vezes essa Antena 1 e normalmente uma destas: M80, Oxigénio e Antena 3 (todas têm o seu efeito terapeutico de acordo com os dias)

    Que agradável sonhar com momentos que nos inspiram a nós mesmos, a atividades que gostamos, a sensações que por vezes sentimos a falta e a uma felicidade momentânea mas necessária que nos faz sentir despertos de forma mais sensitiva. Acordar após isso, por vezes é um castigo, ainda mais sabendo o dia que se afigura pela frente.

    "A menina dança? Só músicas de Fred Aster :)

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  4. A menina dançou, bem mais do que Fred Aster. De momento, não dança quase nada ou, a bem da verdade, não dança mesmo nada. Mas sinto que a dança me faz falta.

    Qualquer dia escrevo sobre a importância que a dança teve na minha vida, no que respeita quer à interacção com o outro e quer comigo mesma. Se soubesse os quilómetros que fiz no auge da paixão que nos ligou, se calhar passavas a ter a certeza que esta menina é louca varrida :)

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