Já passam das oito horas da noite, a temperatura está um pouco baixa, o cansaço acumulado de mais um dia de trabalho (daqueles que desejamos ao nosso melhor inimigo) permite-me esperar com resignação, mais do que com paciência, pela hora de partida do autocarro. Vou-me distraindo com a música que me invade os ouvidos, com um cigarro que teimo ver queimar e um telefonema de alguém que não interessa nem ao menino Jesus.
Enquanto isso vejo chegar o motorista. Um tipo com mania que é pintas (quase ao estilo cabelo lambido), que se acha o máximo e que nenhuma mulher lhe resiste.
Ele muito lentamente encosta-se a um dos poste do abrigo da paragem, assim como quem não quer a coisa, olha-me de alto a baixo e vai abanando a cabeça em sinal de aprovação. Puxa de um cigarro, enfia as mãos nos bolsos à procura de um isqueiro que, supostamente não encontra e depois de alguns segundos de teatro vem ter comigo:
- Tem lume?
Eu sem nada dizer empresto-lhe o isqueiro que tenho na mão.
Ele acende o cigarro e agradece.
Eu retribuo com um seco aceno de cabeça e afasto-me.
Os meus pensamentos levam-me para longe, mas depressa sou interrompida pela tosse cavernosa do dito senhor.
Ao achar que tem a minha atenção diz:
- Tenho de largar o tabaco. Só me está a fazer mal... Mas também se não forem estes pequenos prazeres da vida, pouco mais levamos dela...
Eu mantenho-me em silêncio. Mas ele volta à carga:
- Sabe, eu só tenho dois vícios. Quer adivinhar quais são?
Já sem paciência nenhuma para o ouvir, respondo:
- Um é mais que óbvio, o outro não faço a mínima.
Acompanhando com uma nada subtíl piscadela de olho ele insiste:
- Atire qualquer coisa para o ar, não é nada complicado.
Acabei por dizer a primeira coisa que me veio à cabeça:
- Álcool?!?!
Tentando não me desmanchar a rir com a cara de espanto dele, acrescentei:
- Peço desculpa, é óbvio que um motorista profissional não é viciado em álcool. É melhor dizer-me qual é.
Ele sorri, enche o peito de ar, volta a piscar o olho (nessa fase já comecei a pensar que fosse tique) e tal como um pavão responde:
- As mulheres. Então não é óbvio?!?!?
A minha resposta ao "Então não é óbvio?!?!?":
- Pois, não sei como não me lembrei desse. Logo eu que tenho estes mesmos dois vícios.
E ficámos por aqui...