Fecho os olhos e procuro ver-me através do espelho da mente. Como se de olhos abertos procurasse, no reflexo que me é dado, a essência daquilo que sou, a ilusão daquilo que fui e a incerteza daquilo que serei num dia que ainda está por vir.
Abro os olhos e o que ficou da procura que empreendi é um esboço vazio de importância. Porque o que sou deixei de o ser no exacto momento em que dei por terminada a procura, o que fui continua diluído na essência daquilo que sou e o que serei é um condicionalismo indefinido do que vou vivendo a cada passo que dou.
No pensamento que fica, na memória que escapa e no acto contínuo que me vai prendendo aqui onde estou, pouco ou nada faz sentido.
O que me passa pela cabeça e vou tentando transpor para o papel é um amontoado de palavras que mais não são do que uma combinação desconexa de sons de imagens que transmitem pouco ou nada daquilo que sinto com os pensamentos que fluem demasiado velozes.
Acção mecânica. Sem sentido. Sem sentir. Apenas e só porque acho que devo ocupar-me com algo mais. Mas mais o quê?
Tentar dar nexo a pensamentos dormentes e sem nexo é um exercício que me ocupa o tempo, mas que, ao mesmo tempo, me rouba o tempo que preciso para sentir e interagir, verdadeiramente, com o que está à minha volta. Estranhamente cansa-me o espírito e incapacita-me o físico, pela quebra dos laços afectivos trazidos pela ausência do sentir.
Paralisia. Suicídio. Morte. Assassínio. Seja o que for que diga que faz com que tenha deixado de sentir é algo que está para além da inexpressividade dos sentimentos e muito aquém da necessidade dos sentidos.
A antecipação do toque. Repulsa.
O cruzar de olhares. Insulto.
O prenúncio do olfato. Asfixia.
A expressão da fala. Falácia.
Preferível é manter vestido o manto da invisibilidade. Permanecer no conforto de não ser visto. De não ser tocado. De não ser sentido. Resguardar-me da ânsia dos sentidos que é facilmente ampliada com o convívio.
Deixem-me estar no sossego de onde estou, como estou e com quem não estou. Assim como deixo passar em branco as folhas de papel que teimam em ser tingidas pelas canetas que estão aprisionadas na minha mão em cada visita guiada ao tampo da minha secretária.