E-mail, MSN, SMS são ferramentas de comunicação escrita que vieram sobremaneira encurtar distâncias e alterar a forma como nos relacionamos com o mundo, já que tornaram as redes pessoais de contacto quase infindáveis.
São ferramentas muito simpáticas, friendly user, desinibidoras e facilitadoras no processo comunicativo. Permitem-nos falar, em simultâneo, com o nosso amigo Cangurú da Austrália e o nosso amigo Panda da China. Levando-nos a vangloriar sabermos pormenores da vida de cada um deles, que grande parte das vezes nunca vimos, nem temos a pretensão de ver, da mesma forma que vangloriamos nem sequer saber o nome do nosso vizinho ou colega de trabalho, com o qual nos cruzamos todos os dias e ao qual pouco mais dizemos do que o socialmente imposto e inexpressivo "Bom dia" ou "Boa noite" (quando o fazemos).
De ferramentas de auxilio ao trabalho, massificaram-se e são cada vez mais utilizadas para entretenimento e descontracção, antes, durante e depois, de um dia rotineiro.
O e-mail substitui cartas, cartões, convites, telefonemas, conversas cara-a-cara.
O SMS passou a ser a ferramenta do "Estou atrasado", do "agora não posso ligar", do "estou ocupado", do "gosto de ti", quando estamos num ambiente em que não dá para manter uma conversa reservada, quando precisamos de um empurrãozinho para dizer algo mais pessoal, quando nós próprios não queremos conversar com a pessoa, ou quando queremos dizer o mesmo a um grupo de amigos.
O MSN passou a confessionário, a gabinete de psicanálise, a ponto de encontro estilo café, a local de culto onde se exorcizam todos os males, onde se resolvem crises existênciais, onde se iniciam amizades e onde se constroem relações.
Criou-se um código próprio com terminologia e simbologia que, supostamente, exprime de forma inequívoca a entoação e emoção que queremos passar (risonho, tristonho, aborrecido, tímido, divertido, envergonhado, extasiado, sarcástico, corrusivo, idiota, agressivo, contente, etc, etc, etc.). Pequenos ícones que pretendem substituir toda a comunicação não-verbal (que é inata, espontânea, quase incontrolável e tem uma importância superior a 80% na comunicação), mas que mesmo assim não são suficientes para evitar más interpretações.
E quando este momento chega... Abre-se caminho para zangas e discussões. São pequenos nadas que podem causar mossa se forem sobrevalorizados por uma das parte e sub-valorizados por outra. Chegados a este ponto, ou entram numa batalha feroz em que ambos estão numa conversa de surdos, numa esgrima de argumentos que nenhum quer entender e no final viram costas e vai cada um para o seu lado amuado, ou então alguém tem o sangue frio e discernimento para pôr termo à contenda.
O que me tira do sério neste meios é o uso e o abuso que as pessoas fazem para pedidos de desculpa, de mea culpa e esclarecimentos de palavras, comportamentos e atitudes menos próprios que acontecem no mundo 3D, no cara-a-cara.
Seguir por este caminho só demonstra uma enorme falta de consideração pelo outro, roçando mesmo a falta de respeito. Demonstra que o que se quer não é ficar de bem com o outro, não é resolver a contenda, mas sim, contorná-la para, pelo menos, ficar bem com aquilo que determinou ser a própria consciência.
BOLAS!!! Se as pessoas são adultas o suficiente para nos despejarem na cara todo o seu lixo psicótico, inseguranças e receios, num momento de fúria e desnorte, como se a culpa de tudo fosse nossa. Também devem ser adultas o suficiente para, da mesma forma chamarem o outro e explicar o que se passou, depois da cabeça ir ao lugar e o curto-circuito passar.
Então se a pessoa já teve mais do que uma oportunidade de se redimir cara-a-cara porque estivemos juntos depois da crise, mas não o fez, e após perceber a minha frieza de tratamento, resolve (des)conversar pelos canais alternativos... Fico intragável. A pessoa já perdeu qualquer credibilidade. O que me leva a minimizar a situação até à última casa.
Se é a primeira vez que tenta resolver a situação assim, leva com a cantilena do 'estás a falar mesmo do quê?', 'OK, tudo bem', 'não há problema', 'compreendo', 'foi um dia difícil', 'eu espero sempre demasiado dos outros e depois dá nisso. Mas isso passa-me', 'vou domir'.
Se é repetente neste acto de contrição, apanhando-me num dia não, vai ler tudo o que normalmente vem ao meu pensamento, mas a minha boca só costuma deixar sair quando acompanhada da devida ironia, sem qualquer pontuação para que dê a ênfase que quiser. Apanhando-me num dia sim, vai ter respostas ao que literalmente escreve, pois vou deixar de perceber segundas intenções e de ler as entrelinhas.
Para além de ainda ficar a perceber menos os meus sentimentos (saltar-lhe à cara e partir-lhe a boca toda, ou mandá-la ir ver se está a chover, ou será mesmo desamparar-me a loja porque os seus créditos comigo já acabaram?), começo a contar até 100 em japonês, a recolher o meu mau feitio, a lamber as feridas e procuro outra pessoa, entre os meus contactos, que sei que me vai escrever umas piadolas que me vão fazer dispersar da (des)conversa.
Quem não tem peitaça para me olhar nos olhos e dizer 'agi mal', não merece que eu lhe escancare os sentimentos.